Topo

Maria Carolina Trevisan

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Araújo e Pazuello confirmam que governo Bolsonaro usa a mentira como método

Colunista do UOL

23/05/2021 12h32

O Brasil inteiro assistiu o ex-ministro da Saúde general Eduardo Pazuello atuar na pandemia. Nos primeiros meses de gestão, em outubro de 2020, ele informou que "não sabia nem o que era o SUS" até se tornar ministro interino da Saúde. Na ocasião, discursava sem máscara ao lado da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e da ministra Damares (Mulher, Família e Direitos Humanos). Sinalizava, assim, uma evidente falta de conexão com a pasta que geria. Afinal, não adianta ser o melhor em logística se não se conhece o sistema.

Poucos dias depois, em 21 de outubro, Pazuello foi acometido pela covid-19. Na mesma data em que o Brasil era informado sobre a doença e afastamento do então ministro interino, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) apressava-se em desfazer o acordo que Pazuello havia construído um dia antes com o governador de São Paulo, João Dória (PSDB), para a compra de 46 milhões de doses da Coronavac. Por meio do grupo de zap dos ministros e de suas redes sociais, Bolsonaro enviou mensagens irritado sobre o anúncio, que em sua interpretação deixaria Dória capitalizar sobre a vacinação. Como se imunizar a população fosse uma medida marqueteira — e não o único meio de salvar vidas. "Não abro mão da minha autoridade", disse Bolsonaro.

Para desfazer rumores de que Pazuello seria substituído — como foram Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich —, o presidente da República visitou seu ministro convalescente. Ali, o general deixou claro seu verdadeiro papel diante da pasta e sua subserviência a qualquer posição do capitão Bolsonaro, por mais negacionista que fosse. "É simples assim, um manda e o outro obedece", afirmou. Nenhum dos dois usava máscaras.

Naquela altura, o governo federal já considerava adotar as vacinas (algo inevitável) mas fazia questão de atrasá-las. Também preparava um boicote de antemão, criando uma imagem da vacinação obrigatória como algo violento e compulsório, como se agentes de saúde pudessem arrancar cidadãos de dentro de suas casas com seringas de imunizante. "Não será obrigatória esta vacina e ponto final", dizia o presidente. Em seu discurso afirmava defender a "liberdade". Mas não existe liberdade enquanto o vírus circula cada vez mais letal. Criava-se, assim, o cenário do absurdo, uma tática usada e ampliada pelo bolsonarismo, uma forma de atuar característica de governos populistas autoritários.

Ao apresentar o Plano Nacional de Vacinação só em dezembro de 2020, nove meses após o primeiro caso de coronavírus no Brasil, o ministro Eduardo Pazuello minimizou a gravidade da crise e, sem usar máscara, indagou: "nós somos os maiores fabricantes de vacinas da América Latina. Pra que essa ansiedade, essa angústia?".

Cerca de 20 dias depois, em janeiro de 2021, Manaus vivia o período mais agudo da crise sanitária, em que pessoas morreram asfixiadas por falta de oxigênio e pela negligência do Ministério da Saúde, que ignorou alertas e pedidos de socorro, como ficou demonstrado na CPI da Covid.

É importante lembrar que deputados bolsonaristas como Bia Kicis (PSL-DF), Carla Zambelli (PSL-SP), Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e Osmar Terra (MDB-RS) estimularam e comemoraram a derrubada do decreto de lockdown do governador Wilson Lima (PSC).

Os deputados trabalhavam (e assim seguem) para criar um contexto favorável ao negacionismo encampado pelo presidente Jair Bolsonaro, que minimizou a crise de Manaus dizendo: "sei que a vida não tem preço. Mas não precisa ficar com esse pavor todo. Vi que o povo em Manaus ignorou o decreto do governador do Amazonas." São, portanto, cúmplices das mentiras, da negligência e da omissão que potencializaram a letalidade da pandemia no Brasil.

Ernesto Araújo e o boicote internacional

Enquanto Pazuello e deputados operavam internamente para fazer valer os desejos de Bolsonaro de responsabilizar governadores, municípios e o Supremo Tribunal Federal pela expansão do coronavírus no país, Ernesto Araújo atuava externamente para minar tratativas de com a China que pudessem contribuir para a obtenção de vacinas e insumos.

Assim como o ex-ministro da Saúde, o ex-ministro das Relações Exteriores também mentiu ao Parlamento e à população durante a CPI da Covid. Foi ele mesmo quem atacou a China constantemente — e ainda registrou ofensas em artigo intitulado "Chegou o Comunavírus". Também ignorou a ajuda da Venezuela, que forneceu cilindros de oxigênio a Manaus. Sequer agradeceu ao país vizinho o que o seu país não teve competência e intenção de fazer. Desconsiderou também a oferta do consórcio Covax Facility, optando, atrasado, pela quantidade mínima de vacinas. O Brasil aderiu ao consórcio depois de 170 nações. Quando quis acessar os imunizantes, não conseguiu.

Araújo operou também na esfera ideológica. Enquanto Donald Trump era presidente dos Estados Unidos, colocou o Brasil como devoto dos propósitos de Trump. Atuou contra o que chama de "ideologia de gênero" e contra os direitos reprodutivos de mulheres em uma aliança antiaborto que inclui países autoritários e pretende revogar inclusive os direitos já conquistados. Teve para isso o apoio da ministra Damares. O Brasil chegou a participar de eventos com partidos de extrema direita como o Vox, da Espanha, e foi apontado como liderança, depois da derrota de Trump.

A mentira como método

O bolsonarismo se utiliza da mentira como método para conquistar, ampliar e manter o poder. Nas eleições de 2018, durante a campanha eleitoral, se utilizou de uma rede de envio de fake news em massa, como demonstrou a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha, em diversas reportagens e no livro "A máquina do ódio" (Cia das Letras). Havia, naquele momento, um vácuo em que cabia fazer uso de mentiras para aplacar um desejo de mudança, em que não importava muito a verdade.

Deu no que deu.

Mas uma coisa — muito grave — é fazer uso da mentira em eleição, aproveitar o vínculo emocional que unia pessoas à promessa da antipolítica, de uma nova forma de gerir o país. Outra coisa — ainda mais grave — é usar a mentira já no governo. Ser governo e mentir gera descrédito.

Por isso, boa parte da população está abandonando o apoio a Bolsonaro, como mostram todas as pesquisas mais recentes. Possíveis parceiros internacionais também tendem a isolar o Brasil, como é o caso dos Estados Unidos. O atual presidente, Joe Biden, deixou o presidente brasileiro falando sozinho durante a Cúpula do Clima, em abril. Ninguém acreditará em Bolsonaro na COP-26, a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas que acontece em Glasgow, em novembro.

Palavras ao vento, "narrativas" como disse o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para se defender das acusações que o implicam na venda de madeira ilegal não se sustentam diante da concretude da morte.

E é por isso que a CPI da Covid é tão importante: ela pode mostrar as mentiras, suas consequências e responsabilizar aqueles que contribuíram para o luto sem fim em que o Brasil está mergulhado, agora também em uma grave crise econômica e social. Não é preciso ir longe para checar o que foi dito e o que foi feito. As evidências estão disponíveis nas redes sociais dos próprios autores, que usaram a máquina pública para fazer sua população crer em mentiras, uma das mais eloquentes é a defesa da cloroquina para combater a covid-19.