Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Dia das Mães: me irrito antes, aceito na hora e aproveito depois
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Todo ano é a mesma coisa: implico com o Dia das Mães e acabo me rendendo, em seguida. Aliás, isso acontece não só com o Dia das Mães, mas com o calendário como um todo. Com toda e qualquer comemoração imposta. Me irrito antes, aceito na hora e aproveito depois. Sem a pressão comercial. Livre das obrigações que costumam acompanhar esses pactos do nosso viver em sociedade. Pactos que, a propósito, acabam sendo excludentes e doídos para muita gente. Se não é para todo mundo, acho que não podia valer.
Natal, Páscoa, Ano Novo, Dia dos Namorados, nada me deixa mais em crise do que ser levada a programar, de fora para dentro, meu estado de espírito rebelde.
Ao mesmo tempo, como se diz por aí, contra fatos não há argumentos — nem em latim. Brigar com o relógio, portanto, é uma luta vã. Horas no lixo — quando podíamos estar ouvindo Tim Bernardes, por exemplo.
Por outro lado — para vocês verem a neurose da pessoa — acho poucas coisas tão libertadoras e maravilhosas quanto a submissão a datas. Ou seja: se, por um lado, me incomoda ter que agir de um modo específico que corresponda a determinadas celebrações, por outro, me alivia a pausa forçada no cérebro. Não precisar decidir o que vou fazer no domingo que se convencionou chamar "das mães". Vou fazer como todo mundo, ora bolas. Almoçar, jantar, essas coisas. Porque ficou combinado sei lá por quem, e sabe Deus há quanto tempo. E quem sou eu para dizer que não.
De modo que aqui foi assim: almocei com meus garotos — já não tão garotos — e jantei com minha genitora. Entre uma coisa e outra, vi "Sociedade dos Poetas Mortos", que já tinha mostrado para o meu filho mais velho, mas que era inédito para o caçula. "Aproveite o dia", diz o capitão Robin Williams, no filme de Peter Weir. "Aproveite o dia", repito para mim mesma, a despeito dos "títulos "que algumas datas recebem.
Aproveite o Dia das Mães, dos pais, do médico ortopedista, da árvore, da mulher, dos namorados, da paz universal, do livro, da avó, aproveite todos os dias e todos os segundos da sua vida. Com a desculpa que você quiser. Podendo, inclusive, inventar motivos exóticos e particulares do tipo "hoje estou comemorando o dia em que descobri Machado de Assis".
Tenho uma amiga que comemora toda vez que faz um check up. "Maria, hoje fiz mamografia e não tenho nada. Vamos sair?". Está certa, ela — que, aliás, é uma das mães mais incríveis que conheço. Todo dia é mais um dia. Todo dia pode ser para sempre.
Ontem fez uma semana da morte da Rita Lee. Lembro que uma vez, em um filme, disse uma frase que jamais esqueci: "Mãe, obrigada por ter me levado no show da Rita Lee". No roteiro, minha personagem, Rosa, tinha uma relação difícil com a mãe. Com a proximidade da separação, no entanto, algumas lembranças bonitas, como essa, do show, começaram a aparecer.
Semana passada, Laís Bodanzky, autora e diretora do filme ao qual me refiro, que se chama "Como Nossos Pais", escreveu em seu Instagram a história da Rita Lee. Que na verdade aconteceu com ela.
Então pensei que uma das grandes coisas da maternidade é essa: mostrar coisas. Apresentar Beatles, Caetano, Tom Zé, Truffaut, Carlitos, Veríssimo. Minha mãe me fez assistir tudo da Audrey Hepburn e também "A Noviça Rebelde", "Grease", "Saltimbancos", "A Arca de Noé", e, principalmente, "O Mágico de Oz", que devo ter visto 87 vezes.
Quer saber? Vou inventar aqui em casa o "Dia do Filme". Melhor: o "Dia do Filme para Ver com a Mãe". Para quem estava implicando com datas...
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