Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Sou a mulher do Capitão Nascimento e fui embora com outro no filme seguinte
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"Você não é a mulher do Capitão Nascimento?". Faço que sim com a cabeça. Respiro. Me preparo para o que vem a seguir. "Quem manda nessa casa aqui sou eu!". Ou "não abre a boca pra falar do meu batalhão nessa casa!". A cena, quase sempre muito parecida e aparentemente divertida, faz parte da minha vida há dezesseis anos.
Até pouquíssimo tempo atrás, eu também achava graça.
Me orgulho muito do "Tropa de Elite". Foi a primeira vez que ouvi falar de milícias. Wagner Moura está impecável. Direção e roteiro são excelentes. E foi bonito ver um filme brasileiro falando com todas as classes sociais.
De uns anos para cá, no entanto, me dei conta de algumas coisas. Me dei conta, por exemplo, que nunca aconteceu de uma mulher me abordar na rua para comentar a tal cena. Apenas homens acham graça de uma situação — ainda que de ficção — em que um cara grita com uma mina. Com quem ele é casado. E acabou de ter um filho.
Fiz o filme de José Padilha em 2007. Faz tempo. De lá para cá, tivemos um presidente que foi eleito apesar de suas falas contra minorias. Pior, talvez tenha sido escolhido exatamente por elas. Por outro lado, temos discutido, de forma inédita, sobre igualdade de gênero e preconceitos de raça e de classe, entre outros.
Mas ainda falta. Nessa semana, vimos um "comediante" fazendo "piadas" sobre racismo, pedofilia, misoginia e machismo. Em um país onde os negros são 80% dos jovens que morrem de forma violenta, existe um sujeito que acredita poder rir da escravidão.
Em favor do tal comediante, ouvi discursos como "mas e a Carminha?". Ou "então a Nazaré não poderia ter existido?". Acontece que Carminha, Nazaré e Capitão Nascimento são personagens de obras de ficção. Adriana Esteves, Renata Sorrah e Wagner Moura, ao contrário, existem. Têm CPF. Pagam impostos. Cumprem leis. E nunca disseminaram discursos de ódio. Longe disso. São cidadãos admiráveis e, não raro, usam sua voz em favor da democracia.
Não sei se os homens que me abordam na rua para, envaidecidos, reproduzir a tal "bronca", recordam-se do desfecho do casal. Ela vai embora e, no filme seguinte, aparece casada com outro. Só para lembrar.
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