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Gil completa 81 e não sei o que falar. Parabéns, obrigada ou te amo?
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Quando vi o Gil pela primeira vez, fiquei muda. A um metro um do outro, todas as frases me pareciam dispensáveis. Falar o quê? Obrigada? Parabéns? Te amo? Melhor ficar quieta. Aproveitar o ar dividido. Aguçar os sentidos, carimbar a memória, fotografar aquela imagem na retina.
"Um dia estive a um braço estendido de um brasileiro que admiro", lembraria depois. "Um dia, estive a dois passos da minha Procissão com maiúscula." Aquela, com Rita Lee e Mutantes.
Sempre achei difícil cumprimentar ídolos. E depois, Tom Jobim havia me acostumado pessimamente. Com oito anos, fui até ele. Estávamos na Plataforma, churrascaria famosa no Rio de Janeiro dos anos 1980. Em uma mesa, meu pai e eu. Em outra, mais ao fundo, Tom e uma amiga. Falei qualquer coisa do tipo "pai, olha lá o Tom Jobim". E ele: "Com a Cristina Medicis, filha. Minha amiga. Vamos lá falar com ele."
Fui. Morrendo de vergonha, de felicidade, de pânico, de sentimentos que até hoje não sei dar nome. Mas que não impediram o movimento das minhas pernas. Chegando lá, o compositor perguntou como eu me chamava. E, em seguida, questionou: "Quantos anos você tem, Maria?". Ao ouvir a resposta, seguiu: "E você lá tem idade para conhecer minhas músicas?".
Eu tinha. Cantei Luiza, para espanto de nós quatro, e nunca mais deixei aquela cena ir embora. Nem a cena, nem a menina. Saí do restaurante com um poema e um projeto de vida.
Hoje, quando me recordo do que se deu naquele pedaço do Leblon, penso que mudei pouco da infância até aqui. Ok, queria ser apresentadora do Globo Repórter e virei atriz. Também achei que fosse ter quatro filhos, e só tenho dois. Amor, eu tinha como certo que era um. Para a vida toda. Hahahaha.
Mas a parte das canções, da poesia e do alumbramento com o povo que junta tudo isso em forma de música, isso segue firme aqui dentro. Intacto.
Gilberto Gil completou 81 anos. Do dia em que fomos "apresentados" até hoje, viramos vizinhos. Com o tempo, ganhei uma canção comovente (com minha amiga Andréia Sadi) e passamos a ter conversas bonitas: sobre nossos pais, sobre nossos filhos e até sobre o Fluminense. Uma vez, ao comentar um tema difícil para mim, Gil disse, sem saber, uma frase que me serve de colo até hoje. "Alguns corações, como o seu, Maria, são fáceis de conhecer".
Bom, o meu, eu não sei. Mas o dele, o dele é o mistério que me aproxima do que, para mim, é o que existe de mais caro nessa viagem sem garantias: a existência de algum sentido.
Gil me dá sentido.
Falar o quê? Obrigada? Parabéns? Te amo?
Talvez tudo junto.
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