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Maria Ribeiro

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Dez anos após 2013, vivemos outro junho histórico: 5 x 2 no TSE é um poema

Colunista de Universa

04/07/2023 04h00

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Era junho. Mas não tinha nada a ver com 20 centavos. Isso foi antes. 2013. Outra vida. E não só outra vida. Outro país. Outra Amazônia. Outro Censo. Outra configuração. Interna e externa. Eu morava em casa, tinha cães, pai, lia jornal no papel, andava de táxi, mal sabia o que era uma série de streaming, e tinha pelo menos duas ou três certezas.

O Brasil também era bem diferente. Bom, pelo menos, a gente achava que era. Como sempre achamos, até ter coragem de ver que não. Que nação nenhuma está livre da barbárie, que não há imunidade contra o desamor, que a democracia é frágil como um corpo humano.

Um personagem obscuro, um carro em alta velocidade, uma doença inesperada, um tiro, uma facada, um juiz, um desencontro, o acaso, pronto: aquilo que existia há um segundo já não existe mais. É esse o combinado, certo? E a interrogação sequer existe. Minha resposta não importa. Nem a sua. A gente assina antes de aprender a escrever. E vai em frente, porque sim.

Em junho de 2013, eu começava a me recuperar da perda do meu genitor. E a me dar conta de que era absolutamente sozinha, apesar dos certificados me dizerem o contrário. Enquanto isso, a Avenida Paulista tomava os jornais. O noticiário, aos poucos, me tirava do luto. A tristeza é uma forma de egoísmo, já dizia Arnaldo Antunes. O outro salva, completo eu.

Passei a última semana do mês passado trancada em casa. Com medo de tudo depois de um acidente doméstico, fui para o meu telhado indestrutível: dramaturgia. "Os Outros", "Salvar o fogo", "Carvão": três obras brilhantes. E duas delas com Maeve Jinkings, por quem estou ligeiramente apaixonada. Histórias são mesmo mães. Para mim, não há entorpecente melhor.

Mas queria falar de junho. Desse junho de agora. De quatro dias atrás. Quando 5 a 2 virou poema. De repente. Será que calendário também protesta? Ou terá sido São João? Se bem que acho que dia 30 é São Pedro. Não importa, era tempo de bandeirinhas. Dessas, de festa. Que nunca foram usurpadas.

Dez anos depois dos protestos contra o aumento das tarifas de ônibus, a metade do ano, que costuma ser justamente um momento de balanço, virou também um começo.

Às vezes, no meio de um acontecimento traumático vem uma vontade de ser valente que ainda não tinha aparecido. Aí você vai, e sem saber que consegue, consegue.

Das três certezas que eu tinha em 2013, talvez uma ainda esteja de pé. A ela, juntam-se novas, dentre as quais a alegria de ouvir Carmem Lúcia, o prazer com nossos artistas, e uma intuição que andava esquecida: sou forte —e já sei usar extintores.

De lá pra cá, parece que vivi 20 anos, mas não tem nem duas semanas. E tudo pode ser bonito. Um dia, se Deus quiser, vou contar para os meus netos do instante em que, exausta, apavorada e cheia de pó químico, descobri que um pode ser suficiente, e que 5 a 2 é um poema curto.

Era junho.