Maria Ribeiro

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Opinião

Me tornei escritora porque queria que minha mãe se orgulhasse de mim

Faz um mês que tento escrever sobre outra coisa. Finalmente vi "Oppenheimer". Tenho ouvido os podcasts "Alexandre" e "Collor versus Collor". Acompanho os passos — cada vez mais "intrigantes", digamos assim — da trajetória do Neymar. E já sei, graças ao ex-presidente, quase tudo sobre relógios de luxo, uma cultura que me faltava (e que não pretendia adquirir).

Tento acompanhar as manchetes. E preciso de histórias. Sempre. Estando feliz ou triste. De férias ou de luto. Lendo sobre política ou consumindo mais um subproduto do divórcio do Johnny Depp (aliás, preciso debater essa série com a Cris Fibe!).

Mas, atras de cada notícia ou série, há a presença — e o início da ausência — da minha mãe. Mãe, o começo de tudo. E um fim que talvez não acabe a não ser com o meu próprio.

Faz mais ou menos um mês que uma fratura de fêmur dividiu sua vida de forma definitiva. Cadeira de rodas, cuidadoras, hospital, infecções, transfusões de sangue, vulnerabilidade. E olha que, como meu diz meu amigo Edu Carvalho, velhice é privilégio. Mesmo assim, nunca imaginei que fosse sentir tanto medo. E tanto amor. E tanta saudade.

Marina ainda esta aqui. Assim como no livro do meu amigo Marcelo Rubens Paiva, em que ele conta os últimos anos de sua mãe, Eunice Paiva, a minha também segue no jogo. E alterna a leitura de "Cem Anos de Solidão" com um cansaço imenso por uma luta ingrata. Viver sem autonomia. Não ser dona do próprio corpo.

Do lado de cá de sua cama, beijo suas mãos. Talvez mais por mim do que por ela. Ate onde somos nossos pais? Como vê-los frágeis, e, não fazer disso um espelho? Aquela mulher que eu queria ser, a musa da minha infância, a dona das maquiagens e dos cadernos que um dia eu teria... agora é tudo memória. Memória e também projeto. Nunca pensei como agora em como vou querer morrer — na medida em que isso é possível.

MC Marcinho, um dos funkeiros mais importantes do Brasil, autor de clássicos como "Princesa" e "Garota Nota 100", morreu no sábado. Muito jovem. Nem 50 anos. Isso, sim, não deveria acontecer, eu penso, tentando organizar minhas dores. E relativizar meu luto. Minha mãe tem 85 anos. Tudo bem se ela estiver indo embora, repito pra mim mesma.

Mas não é assim que funciona. Sempre falei pouco sobre minha genitora. Escrevi mais de uma vez a respeito do seu jeito discreto, e de sua dificuldade em me dar colo. Bom, agora tenho a certeza absoluta de que tenho a melhor mãe do mundo, e acho que me tornei escritora porque escrever sempre foi a sua paixão. E eu queria muito que ela se orgulhasse de mim.

Otto Lara Rezende, que durante boa parte de nossas vidas foi nosso vizinho, uma vez comentou um conto seu. Sem contar pra ninguém, ela mandou pra ele um texto que havia escrito, e enquadrou sua resposta. Onde ele a elogiava. O que agora faço aqui, enquanto ainda dá tempo.

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Mãe, sabe aquela vez que você me levou de Búzios pra Petrópolis porque eu queria ir a um baile de Carnaval? Obrigada. Também te agradeço por ter me mostrado a Jane Fonda fazendo ginástica e a Audrey Hepburn em My Fair Lady, só eu sei como essas cenas seguram minhas pernas. Queria que elas pudessem segurar as suas.

Ontem, ao ver as notícias do velório de MC Marcinho, vi seus amigos e fãs cantando suas músicas. Parei em "Rap do Solitário".

"Quando estava triste o meu coração fui para o canto e fiz essa canção." Bom, isso não é exatamente uma canção, mas é meio isso. Quero escrever sobre o mundo, mas o mundo agora é todo da minha mãe.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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