'Elis & Tom' tem muito a nos ensinar sobre arte, amor, respeito e liberdade
Eu já entendi. O certo agora é separar em público. E também se casar, anunciar gravidez, sexo de filho, traição, despedida da carreira, corte de cabelo. Nada contra. Cada um é feliz e infeliz como pode. E, de alguma forma, não posso dizer que também não faça certo uso — menos lucrativo, é verdade — dessa mistura do público e do privado.
Influenciada, portanto, por Sandy — maravilhosa no último "Altas Horas" — e Luisa Sonza, resolvi entrar na onda. E na falta de um convite da Ana Maria Braga, leio aqui no UOL minha carta aberta pro casal do ano. Que, na verdade, nem é um casal. É um trio. Sim, eu estou apaixonada por três pessoas. Pra quem se achava incapaz de exercer o poliamor, posso dizer que 2023 chegou aqui em casa.
Ou melhor, chegou ao cinema. "Elis & Tom". Tom e Elis. Elis e Cesar. Cesar e Tom. Que coisa maravilhosa, meu Deus. Um documentário com imagens captadas há quase 50 anos, e que parecem ter muito a nos ensinar sobre arte, amor, respeito e liberdade.
Dois gênios da música com comportamentos opostos e pouca intimidade. Um disco feito em conjunto. Em pouco tempo. Em um estúdio gringo. Em um lugar de risco. De se jogar no outro. De se encontrar ou se desencontrar. E tudo isso com um casal no meio — ou vários.
O filme de Roberto de Oliveira é dessas obras que deveriam ser vendidas na farmácia. Elis, com tudo que há de sagrado na espontaneidade, nos lembra da força que uma única figura é capaz de exercer sobre a música.
Sem maquiagem, camisetinha azul, nada de assessores ou jogadas de marketing. Talento, coragem, entusiasmo, alma escorrendo nas cadeiras do cinema. E aquela voz que sente o mundo e mais um pouco. Elis era revolucionária até na hora de dar bom dia — e acho extremamente machista seu apelido de Pimenta (como também não achei graça na escolha da planta que, supostamente, a representaria, mas essa é outra história).
Cesar, na difícil condição de marido e artista, acolhe com grandeza os dois momentos dos protagonistas do disco. Primeiro, a briga de egos, de autoria, de time, de estilo, de "quem manda mais". Depois, aceitando, e até participando, do encanto que a música acaba exercendo sobre os dois intérpretes. Há uma mágica presente em grandes obras, e dificilmente isso acontece sem Eros. A gente se apaixona pra criar, e isso faz parte do jogo. O objeto amoroso é quase sempre a música, ou o filme, ou o livro. Não importa.
Por fim, minha carta aberta no modus operandi da moda: Tom, eu sei que você não tem nada a ver com isso. Que quando a gente se conheceu, naqueles dez minutos na Plataforma, eu era uma menina e você já era um homem feito. Que você é viúvo da Ana, aquela mulher incrível, e foi casado com a Teresa, que deve ser igualmente o máximo. Mas eu realmente não me conformo. Não aceito, não acho justo. E o fato de você não estar mais aqui em nada muda a minha revolta. Você foi, é, e sempre vai ser um dos maiores amores da minha vida. Já escrevi sobre isso, inclusive. Mais de uma vez. Mas agora, vendo o filme, fiquei com vontade de reclamar de novo. Ou de agradecer.
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