Maria Ribeiro

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Opinião

Dá pra ser bom de novo, mesmo que algumas melancolias nunca desocupem o HD

Faltam poucos minutos pra meia-noite. Eu, que não costumo ligar muito pra relógio nessas ocasiões, ouço um sino tocar aqui dentro. Alto, grave, fundo — e só pra mim. Amém, penso, sem muita coragem de trazer o pensamento a palavra. Ou amem, se quisermos dispensar o acento e o ceticismo.

Na mesa de Natal, meu filho caçula. À sua esquerda, seu irmão por parte de pai — que, por circunstâncias que aqui não importam, conheceu apenas há alguns anos. Ao meu lado, minha sogra, que na verdade é ex-sogra. Existe ex-sogra? Nunca sei. Cadê os universitários numa hora dessas?

Completando a cena, meu ex-marido, sua atual companheira e a família que por mais de dez anos chamei de minha — e como são móveis e desafiadores os pronomes possessivos. Renuncio a vários, mas alguns...haja terapia! Dona Jane, por exemplo. Bisavó do meu filho mais novo. Não dou, não empresto, não negocio. Que saudades que eu estava de um 24 com ela!

Antes disso apenas algumas horas, havia jantado — ou ceado, para cumprir com o vocabulário de dezembro — com a turma do meu namorado. Que também já quero pra mim — pode ser? Sua mãe, seu pai, seu padrasto, sua irmã, seu irmão, seu cunhado, e uma mão cheia de crianças que, filhas de casamentos desfeitos, já nasceram entendendo a famosa crônica do Paulo Mendes Campos: "O amor acaba".

Será? Às vezes ele volta.

No cartório particular da minha árvore genealógica natalina, havia um encontro, um divórcio, uma certidão de nascimento e inúmeras relações que não se encaixam em nenhum documento passível de ser reconhecido com aquele carimbo de "tudo certo, você passou no teste das leis".

Passei? Não tenho certeza. Enquanto escrevo este texto, na casa de uma amiga que considero irmã, naquela semana meio suspensa onde todos os dias parecem domingo, penso no sentido subjetivo que paira sobre as horas que apagam as luzes do ano. Por que me angustiam? Não deveria estar feliz?

Volto a Paulo Mendes Campos, e se você não conhece o texto ao qual me refiro, sugiro me abandonar agora e partir para esse date inesquecível. Uma espécie de manual do desencontro, que arde e sopra a ferida ao mesmo tempo. Meu pai e minha mãe, seu pai e sua mãe, você e seu ex, e todos os casais que um dia juraram ficar juntos pra sempre — ou, no mínimo, no aniversário de Cristo.

Porque, numa boa. A gente faz retrospectiva de filme, de livro, de música e de série, mas a verdade é que o Band-Aid que não gruda — e que reaparece de forma selvagem junto com árvores e enfeites — é quase sempre o do desamor. Ainda que a seu lado, a gente descubra um espaço que nem sabia que tinha: dá pra ser bom de novo, mesmo que algumas melancolias nunca desocupem o HD.

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E pra não dizer que não falei das séries... Vou me embora de 2023 com duas obras que carregarei para todo o sempre. "Succession", que por cinco anos me manteve apaixonada por seres humanos maravilhosamente horríveis, e "The Crown", que, desde 2016 faz meu coração ganhar de 7 a 1 do meu cérebro. Peço desculpas pela alienação política, mas é que em algum lugar vou sempre ser a garota que acordou pra ver uma princesa de verdade dizer "sim" pra um cara que gostava de outra.

Família real, minha filha? Jura? Juro. Eu sei, a monarquia é criminosa, obsoleta, cara, sem sentido. Mas eu vi Diana e Charles se casarem na TV quando tinha 6 anos. Chorei muito quando ela morreu. E chorei tudo de novo ao revê-la na atuação brilhante da atriz Elizabeth Debicki.

No meu álbum de ilusões, talvez a princesa esteja na mesma página do Natal e do matrimônio indissolúvel: coisas que a gente já reconhece como altamente problemáticas, mas que de vez em quando dá pena de deixar de acreditar.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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