Presenciar meus filhos crescendo com coragem tem sido de uma beleza sem fim
Eu não tenho a menor ideia de como um boneco do homem-aranha do meu filho caçula, mais ou menos do tamanho da palma da minha mão, veio parar na minha cabeceira. Fiquei uns dois ou três dias pensando naquela aparição inusitada, e, depois, obviamente, me programando pra devolvê-lo ao seu quarto.
Os dias foram passando e nada da devolução acontecer. Com o tempo, fui me dando conta de tudo - nada como aquele Freud que vai se acomodando aos poucos no nosso HD. Em dado momento, as peças finalmente se encaixaram, eu olhei pra aquele super-herói de plástico e pensei: nostalgia, claro.
Pronto, era a hora perfeita pra uma DR com o boneco: 'Obrigada, Peter Parker. Você foi de imensa utilidade em nossas vidas. Sou mãe de dois meninos. Grande parte da minha existência foi dedicada a te admirar. Foram vários filmes, camisetas, canecas, álbuns e livros, mas agora acho que já posso me despedir, agradecer e dizer que seu trabalho - junto ao meu, naturalmente - foi cumprido. Que o menino que antes te virava do avesso é hoje um rapaz com enorme senso de justiça. Ponto pra gente, homem-aranha'.
Essa fala - imaginária, obviamente - aconteceu depois de um evento comovente. Alguns anos atrás, me vi em um episódio profissional difícil. Havia comprado, de um grande amigo, os direitos de uma obra que me marcara muito, e que sonhava em reescrever e atualizar. Mas como eu sabia, que, sozinha, não teria estrutura - e nem experiência - para dar aquilo a potência que o texto merecia, resolvi passar a ideia pra um dos meus escritores favoritos. Assim, meu amigo seria mais bem remunerado, eu aprenderia com o maior dos roteiristas e o resultado seria brilhante e inesquecível.
Não foi o que aconteceu. E uma história que era para ser incrível se tornou bem dolorosa -com marcas e detalhes que não cabem ser ditos aqui. Mas a parte boa é que a gente fica mais esperto, ganha traumas que sempre podem virar colunas, e o tempo passa.
Para mim, para o meu filho, e para o homem-aranha. Ontem, ao olhar para o boneco, me dei conta, finalmente, do que une essas duas histórias. Uma, é que nunca mais o verei na mão do meu pequeno. Pelo menos, não como antes, voando por entre os cômodos do nosso apartamento. A segunda, é que ter filhos grandes também é de uma beleza inacreditável.
Outro dia, como quem não quer nada, um deles me contou ter encontrado o escritor desse trabalho que me havia me deixado tão triste. E me disse "que não conseguiu não se posicionar, porque queria deixar claro que estava do meu lado".
Ver meus filhos, na prática, agindo como caras que tem a certeza de que homens e mulheres devem ter seus direitos autorais respeitados e suas reinvindicações legitimadas me deixou atônita, comovida e mobilizada. Mesmo assim, tive dúvidas do que dizer a ele.
"Filho, já passou. Esse cara é legal, e, tenho a certeza absoluta, de que, até hoje, não entende o que fez. Talvez nunca vá entender. Mas o importante é que você sabe do desequilíbrio de poder que ainda existe entre homens e mulheres, e que os garotos da sua geração estão ganhando uma sabedoria que servirá a todos.
Devolvi o homem-aranha para o quarto dele. Acho que eu estava com abstinência de vê-lo como super-herói - ao invés de ser apenas um boneco jogado na estante - mas, pensando bem, presenciar meus meninos crescendo dessa forma, com coragem e empatia - e bancando ideias e atitudes por conta própria - é melhor do que qualquer fantasia.
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