Maria Ribeiro

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Opinião

Anitta age como todo artista deveria agir: abre o mar pra tolerância passar

Afinal, chegamos à vida adulta. Ao admirável mundo das pesquisas de opinião. Do deus algoritmo. Das fórmulas ultratestadas. Dos pensamentos replicados. Do "vê se tem mercado pra fazer o que você acredita". Do medo total e absoluto de ser diferente ou original. De atender aos chamados do silêncio, do que ninguém ainda disse, mas que, por acaso, você tem vontade de dizer.

Porque o novo sempre vem, já cantava Elis Regina. Mas não sozinho, porque ele precisa de um nome próprio. De personalidade, de desejo, de bravura. De, com todo o respeito, tudo o que falta à Inteligência Artificial. De pessoas que vêm e mudam TUDO. Tudo mesmo, caixa-alta. Não, não acontece toda hora, mas quando acontece, ai, ai.

Aconteceu aqui. De uma garota chegar e fazer uma revolução por clipe. Por fala, por som. Bem aqui, olha que sorte, no nosso DDI. Uma única mina que veio e mudou a música, o país, a língua, a moda, a cultura, a história, a bandeira? E isso tudo sendo simplesmente quem ela é e colocando no mundo tudo o que ela tem de mais genuíno (juro que eu acho que "genuíno" devia ser sinônimo de "divino").

Há anos, Anitta, a pop star de Honório Gurgel, apresenta o Brasil pro Brasil e, de quebra, pra todos os cantos do planeta.

O funk, a favela, a liberdade, a transgressão, tá tudo na conta dela. De um CPF de apenas 31 anos, que, sabe Deus por que, nasceu com um chip melhor que o nosso. E não abre mão de fazer uso dele, transformando nossos cérebros, nossa cultura e nossa identidade.

Mas foi só falar de espiritualidade que uma galera reclamou. E olha que a música tem o nome mais doce que existe. "Aceita" não é só sobre candomblé, uma religião de matriz africana - e já seria lindo se fosse. "Aceita" é também sobre ser artista e bancar essa aventura que é criar a partir do que se sente. E se expor com verdade e espontaneidade, uma dupla praticamente em extinção nesse mundo de redes sociais, em que a gente tem medo de não ser amado.

Ou, como ela mesma diz, "aceito".

Anitta tem a altura que a gente vem perdendo pra caber no gosto do público, essa abstração em forma de números. E exatamente por isso faz o que qualquer grande artista deveria fazer: abrir o mar pra a tolerância passar. E expor preconceitos através de dramaturgia, de beleza e de conceito. Tudo o que seu clipe tem de sobra, forma e conteúdo pautando jornais e conversas de bar.

A gente aceita e aproveita. Ou pelo menos devia.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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