A conta das minhas horas é toda de quem eu amo e eu gosto de demorar
Acordei às quatro da manhã. Meu filho ia viajar com a escola e tínhamos que madrugar no aeroporto. No saguão do embarque, mães e pais observavam seus filhos prontos para mais uma mudança. Para mais uma despedida. Para mais uma separação. De poucos dias, é verdade. Mas qual a conta dessas horas?
De uns dois anos para cá tem sido assim. Aos poucos, vamos nos acostumando. O mundo é grande e a adolescência é a promessa disso. Somos cada vez menos necessários, e é assim que deve ser.
Documentos, mochilas, abraços discretos, alguma emoção. Essas experiencias, rápidas e intensas, quase sempre mudam as coisas de lugar. E, se o vento ajudar, acabam sendo marcos importantes para vida toda.
Uma excursão, uma filmagem, uma festa. Experiências que, de tão palpáveis, quase trazem o cheiro do tempo junto com as fotos - mesmo muitos e muitos anos depois. Aliás, não só o cheiro, mas a roda também. Girando como deve ser. Que tudo muda o tempo todo, e isso é para ouvir na voz do Lulu - se Deus quiser, já zerado da gripe.
Um filme, uma música, um encontro, uma viagem. Nesse caso, especificamente de uma viagem, a ampulheta parece funcionar de forma totalmente independente e rebelde.
Três dias podem soar como três meses. Não há papo de elevador. Tudo é grande, intenso, urgente. E dificilmente escapamos das mudanças de selfies. De quem éramos naquele momento, do que viramos depois do que veio, do que vai sobrar daquela troca - tudo, às vezes, em 48 horas.
E, sim, eu estou falando do meu caçula, que a essa altura já está a quilômetros do Rio, mas também falo de mim, que depois de alguns anos em posição de defesa, voltei para o tatame do amor e das amizades. Independente dos resultado das lutas.
Que alívio. Porque se aventurar em histórias profundas com seres humanos feitos de tecnologias frágeis e compostos por outras matérias, românticas ou não, é como ganhar uma nova camada de si - com a faixa extra, ou o bônus track do olhar do outro. Que, se você for esperto, te reapresenta para você mesmo.
A essa altura da vida, se abrir para isso - ser modificado pelo outro - não deixa de ser um risco. Mas as pessoas, em sua maioria - e eu quero morrer acreditando nisso - continuam sendo, apesar de tantas vistas bonitas que existem por aí, a paisagem mais bonita que existe. Ainda mais assim, com a força das defesas baixas.
Talvez seja cedo para dizer que depois de anos de olhares pela metade, eu esteja finalmente voltando a colocar os dois pés - e os dois olhos - em duas ou três figuras. Mas talvez não seja não. E talvez valha a pena aproveitar. Porque não acontece toda hora.
Agora é esperar o caçula. Cada vez maior, cada vez olhando mais longe, cada vez mais independente, cada vez descobrindo mais gente. Trocando de pele, assim como eu. Indo para frente, sem mim, mas com a minha segurança.
Que a gente possa ir e voltar, ter medo e confiança, traumas e perspectivas, e amar de novo, sabendo que algumas pessoas podem ficar firmes, apesar da nossa imensa capacidade de errar.
Da minha parte, garanto a firmeza. Que eu sou dessas de repetir frases do Mano Brown e seguir nas direções apontadas por quem me aponta caminhos.
Fora isso, a conta das minhas horas é toda de quem eu amo. E eu gosto de demorar.
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