Chorei pelo machismo com Fernanda Montenegro e Simone de Beauvoir
Assim que as cortinas do teatro se fecharam eu comecei a organizar meus pensamentos. Às vezes leva tempo para conseguir, de fato, compreender onde se está depois do impacto de uma obra. Quer dizer, o endereço eu sabia, era "Sesc 14 Bis", eu havia dito ao taxista uma hora e meia antes, orgulhosa como quem anuncia um projeto de vida: "estou indo ver a Fernanda Montenegro, moço".
Mas, se, antes do espetáculo eu estava a par da minha localização - São Paulo, sexta-feira, 2024 - ao fim, emocionada, já não saberia afirmar se estava na minha infância ou na minha velhice, na França ou no Brasil, na literatura ou no teatro. Eu só sabia que estava entre mulheres, e isso bastava para que tudo me coubesse. Piaf, Simone, e, principalmente, Fernanda.
Mas por quem eu chorava? Por quê? Pelos textos da Simone de Beauvoir? Pela presença da Fernanda - imensa e potente, em seus 94 anos? Por ver um espetáculo lotado - depois de um período de extremo desrespeito pelo nosso ofício?
Ou será que não havia nada de político nas minhas lágrimas e sim lembranças? Chorava, então, por mim? Pela minha mãe? Pelo machismo que marcou sua vida e que permanece marcando a minha?
Não tenho a resposta. E não consigo dizer, mesmo agora, se enquanto aplaudia Fernanda o que eu sentia era alegria pela beleza do espetáculo ou tristeza por pensar que, na verdade, tudo mudou muito pouco.
Enquanto ainda elaboro tudo o que eu vivi no ultimo dia 19 ao lado de 500 pessoas no Teatro Raul Cortez, percebo que compreendi, e isso sim é evidente, algo que jamais compreenderia se não fossem a voz e a vida da Fernanda: há um imenso abismo entre a obra de Simone, e a de Sartre no que diz respeito à exposição. Simone, ao contrário de Sartre, nos contou tudo. Falou abertamente de seus homens e de suas mulheres, e expos com coragem as contradições do seu discurso libertário, nem sempre posto em prática em sua vida pessoal.
De qualquer forma, "Fernanda Montenegro lê Simone de Beauvoir", é, sobretudo, um encontro entre duas mulheres. Uma amizade que está acontecendo agora e que graças ao teatro independe do tempo. Um texto revolucionário e necessário para todos, mas, principalmente para quem ainda lê Simone apenas sob a ótica do par que formava com Sartre.
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