Pode chorar? Somos feitos muito mais de derrotas do que de vitórias
'Pode chorar?' Essa foi a primeira pergunta que ouvi de uma amiga que entrevistava um dia desses para um documentário. Tomei um susto. Assim que começamos a conversar ela pediu, seríssima, autorização para algo que nos é liberado - e estimulado - desde o instante zero, mas que, por algum motivo, em algum momento, passamos a nos envergonhar.
O tema do nosso bate-papo era a passagem do tempo. Essa amiga vai fazer 60 anos. Nunca reclamou da vida - que acompanhei e não foi fácil - mas, recentemente, começou a perder a vontade de fazer as coisas. Começou a ter crises de ansiedade, a achar que iria morrer a qualquer momento, a não querer sair da cama. Estava, obviamente, no meio de uma crise psíquica.
As Olimpíadas acabaram e com a volta da rotina a um mundo sem medalhas, retomamos o cumprimento das atividades prosaicas: comprar tomate e papel toalha, marcar o exame de densidade óssea, ver o Roda Viva da Rosa Montero, visitar mãe e aparelhos de ginástica, terminar a serie do Jô, entregar textos atrasados.
Nada que se compare à dopamina gerada em meu cérebro com as recentes piruetas da Rebeca Andrade. Mas eu sou do tipo que tem prazer com nada, e sou feliz até em fim de semana com chuva. Gosto do dia, da noite, das miudezas que acontecem entre eu e outro. O que muda, então, com a ausência dos Jogos Olímpicos?
Volto à minha amiga. Sua pergunta sobre "poder chorar" não saiu da minha cabeça durante todas as cenas de Paris. No último mês, dormimos e acordamos com muito mais gente chorando do que celebrando. O ouro no pescoço, naturalmente, é a exceção, a mágica que une sorte com talento, um momentinho super-homem para gente fingir que é imortal (no caso do Brasil, supermulher). Mas, de um modo geral, somos feitos muito mais derrotas do que de vitórias, certo?
Que tal, portanto, estender o vale-choro para além das Olimpíadas? De preferência, sem a parte do pedido de desculpas?
A gente também está tentando, oras. Correndo, nadando, saltando, surfando, casando, separando, criando filho, fazendo analise, fazendo besteira, dizendo coisas legais, outras nem tanto, mas, sobretudo, tentando e treinando - há anos - para aproveitar os momentos de pódio.
No resto do tempo, que possamos, sempre que for preciso, ficar triste que nem criança, ou melhor, que nem adulto. Porque, assim como ficou evidente no episodio com minha amiga, as lágrimas, uma vez transformadas em verbo, tendem a ficar mais escassas. Ao contrário das tretas, que às vezes se resolvem com John Lennon.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.