Maria Ribeiro

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Opinião

Fernanda Torres, Montenegro e Eunice Paiva são nomes para falarmos todo dia

Duas Fernandas, uma Eunice, e as mulheres que também "estão aqui".

Quando fiz a peça Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva, vinte e quatro anos atrás, fiquei totalmente apaixonada por Eunice Paiva. Aquela mulher tinha perdido o marido na ditadura militar, criado cinco filhos sozinha, enfrentado o acidente que havia deixado seu caçula de cadeira de rodas, e brigado por anos -e sem nunca perder a altivez e de alguma forma a alegria- pelo atestado de óbito de seu companheiro. Pelo reconhecimento de seu assassinato. Pela verdade.

Na adaptação do livro para o teatro, feita por Alcides Nogueira, seu protagonismo já era evidente. No imaginário brasileiro no entanto, Eunice, como a maior parte das brasileiras, era uma mãe e uma esposa. Mais uma. Mãe de um escritor de sucesso - e companheira de um ex-deputado importante, torturado e desaparecido na ditadura.

O sobrenome famoso, de alguma forma, a deixava em uma prateleira mais alta, apesar de triste. Mas, ainda assim, Eunice era mais uma mãe e mais uma esposa. Não que isso a tornasse menor, ao contrário, tinha orgulho de sua luta, por mais doída que fosse. Mas faltava narrá-la sob seu ponto de vista. Não porque isso fosse relevante para ela - talvez não fosse - mas porque para um Brasil de milhares de mães e pouquíssimos pais, seu reconhecimento é educativo.

Valorizar o tempo e a dedicação cedidos às famílias pelas mulheres - as vezes por amor, as vezes por acreditarmos que essa é nossa função - se faz cada dia mais necessário, independentemente do contexto em que isso se dá. E não só para que haja uma divisão mais justa na tarefa de criar os filhos quando decidimos tê-los, mas também para a construção de homens que compreendam o valor das nossas vidas e não reproduzam o modelo padrão da família brasileira.

É comum, quando se é filho, achar que mãe é de fato coadjuvante. Como se sua existência fosse quase um apêndice da nossa. Eu mesma, desde que fui mãe, muitas vezes coloquei, como a maioria das minhas amigas, a felicidade dos meus meninos na frente da minha. Porque foi assim que aprendi e porque achava que um certo apagamento dos meus desejos profissionais seria lido como um sinal de amor.

Só ontem, ao ver a cena em que Fernanda Torres, emocionada, era ovacionada por dez minutos em Veneza por sua atuação como Eunice, percebi quantas gerações de mulheres também estavam sendo aplaudidas com ela. Um mar se abriu nos meus álbuns de infância. Fernanda é uma das maiores atrizes do país, mas sua entrevista sublinhando o reconhecimento do primeiro nome de uma personagem que sempre foi conhecida por um sobrenome que nem sequer é seu de batismo, me comoveu tanto quanto suas atuações sempre brilhantes.

Recentemente, sua mãe, nossa outra Fernanda magia, a Montenegro - que leu, em um momento histórico de sua já inesquecível carreira, Simone de Beauvoir de forma gratuita em pleno parque Ibirapuera -, deu enquanto cumpria temporada em São Paulo uma entrevista na GloboNews que me chamou a atenção. O entrevistador, um dos maiores jornalistas do país, mais de uma vez citou o nome de seu marido ao perguntar sobre sua carreira e fez comparações, a meu ver fora de contexto, sobre seu casamento longevo com o saudoso Fernando Torres, em contraponto à parceria - em tese mais libertaria - de Beauvoir com Sartre.

Fernanda Torres, Fernanda Montenegro e Eunice Paiva são nomes para gente falar todo dia. E embora tenham tido filhos e parceiros, tem antes de suas certidões de casamento, documentos de batismo. Suas biografias certamente possuem extensos capítulos sobre seus rebentos e suas parcerias, mas será que precisamos falar disso com tanta frequência? Aos homens, essas questões são feitas com o mesmo peso? Creio que não.

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Ainda Estou Aqui é um filme de Walter Salles e um livro de Marcelo Rubens Paiva, mas quando o longa chegar aos cinemas - e estou ansiosa para isso - direi a todos, de boca cheia, que estou indo ali ver o filme da Eunice. Companheira do Rubens e mãe do Marcelo, mas, sobretudo, uma mulher que fez da sua vida uma obra de arte que deve ser celebrada por muitos e muitos anos.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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