Maria Ribeiro

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Opinião

O verdadeiro 'Xou da Xuxa' é ter coragem de ouvir o que causamos nos outros

"Que Xou da Xuxa é esse?"

Desde que vi a cena da menina Patrícia - hoje uma mulher de 45 anos - reclamando da organização do concurso para a escolha de novas paquitas em 1985, não consigo, como boa parte do Brasil, tirar a frase da cabeça. Aliás, nem a frase e nem o tom. É que as vezes só o protesto salva.

A pergunta, parte de uma cena da série documental do Globoplay sobre as assistentes de palco da apresentadora Xuxa Meneghel, virou uma espécie de bordão nacional nos últimos dias. E não só porque há alguma comicidade na indignação e na coragem de uma criança de apenas dez anos verbalizando o que adulto nenhum conseguiu, mas porque a gente, por aqui, resiste a bancar ideias por conta própria - e volta e meia deixa ruídos para sempre embaixo do tapete.

Somos a nação "cordial" - milhões de aspas aqui. Um país que esconde seus preconceitos e desigualdades em nome de um silêncio violentíssimo. Como se não conversar sobre ajustes, abusos ou desencontros pudesse diluir todo e qualquer trauma na conta da passagem do tempo.

Mas há dores que ficam. E ficam por dez, vinte, trinta, cinquenta anos. No caso da série, uma espécie de documentário-terapia, há o retrato de uma época em que crianças trabalhavam na TV sem nenhuma proteção adicional, casos evidentes de bullying e assédio moral.

Xuxa, presente na maior parte dos relatos, não se retira de uma engrenagem da qual fazia parte e pede perdão inúmeras vezes. Sua disponibilidade em rever o passado e reavaliá-lo com base na escuta da palavra das vítimas pode parecer simples, mas é um exemplo importante a ser seguido por figuras públicas de destaque.

É claro que nem tudo se resolve com desculpas. Mas entre o tudo e o nada, há algo que muda muito com a coragem de ouvir o que causamos nos outros, ainda que sem perceber. E mesmo depois de muitos anos.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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