Maria Ribeiro

Maria Ribeiro

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Desconheço quem se recupera de separações e desconfio de gente sem ferida

De uns tempos para cá, tenho consolado, com alguma frequência, um amigo recém-separado. Conheço sua dor, tenho intimidade com ela, a respeito, e por pouco - talvez porque seja esse o trabalho do ator - não a sinto como minha.

Desde então, e isso tem dois ou três meses, a questão dos desenlaces - que já experimentei duas vezes - tornou a me comover como tantas vezes me comoveu, como se o tema nunca tivesse me deixado.

De fato, não só não conheço quem já tenha se recuperado inteiramente de uma família quebrada (especialmente com filhos), como desconfio seriamente de gente sem ferida. Aliás, desconfio e, foi mal aí, tenho um certo desprezo.

A separação dos meus pais, por exemplo, me pega até hoje, com 48 anos de idade. Mesmo com quatro décadas de carimbo no calendário. E me pega em situações que, a princípio, nada tem a ver com amor e desamor.

Aliás, talvez seja exatamente essa a grande questão da alegria e da dor nos casamentos e nas separações. Não se trata apenas de romance - o que já é muito. Mas há, sobretudo, o amparo. Uma coisa que, com sorte, existe em parte na infância e em filmes de Hollywood.

Quando desfiz minha segunda "casa perfeita" (pelo menos era assim que eu pensava , olha que boba), lembro claramente de me sentir incapaz de tudo. Tudo mesmo, coisas simples. Refazer minha carta de motorista, viajar com meus meninos, resolver uma revisão de carro, preencher meu estado civil, dar fim à uma infiltração (é bem verdade que infiltração é um troço quase freudiano - nesse departamento sigo em pânico).

No mais, a vida foi - e vai - se encaixando de uma forma bonita e com novos encontros. Mas é claro que deixar de dividir visões de mundo ou idas ao supermercado com quem, de alguma forma, nos espelha, é sim uma perda de si. Porque gostar de alguém é gostar da gente. Gostar de mim naquela equação e não apenas da pessoa em si.

E existem duplas que realmente, admito, parecem mesmo construir países. E funcionam como uma espécie de usina de energia (limpa, pelo amor de Deus), ou de reflorestamento. Que melhoram o ar, levantam os amigos, iluminam as paisagens. Casais que têm um match tão forte que é como se o amor nascido daquela junção fosse praticamente uma obra de arte esperando para ser produzida. Independentemente do "para sempre".

Para o meu amigo recém solteiro, portanto, deixo essa visita em forma de palavras, na esperança de ter-lhe feito companhia, apesar dele saber meu endereço. E ainda insisto em uma última ideia: trocas profundas permanecem. E só existem a partir de alguma solidão. Estás, portanto, diante de uma chance, companheiro.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes