No meu aniversário penso: o afeto não deve estar no calendário o ano todo?
Aniversário, modo de usar.
Imagina ter um dia inteiro para você. Onde as decisões são quase todas suas, onde o seu telefone junta pessoas de vários momentos da sua vida, onde você sente que o tapete velho do seu banheiro é praticamente um red carpet da sua existência, e onde as homenagens no Instagram e na vida fazem uma festa que dura dias no seu sistema de recompensa. Sem falar nas flores, que eu vou cuidando até o último instante possível.
Agora pensa que isso existe. Ao contrário de tantas coisas que a gente quer e não pode querer, como uma casa na praia ou um amor incondicional, 24 horas de pulseira vip, isso, em maior ou menor grau, isso, o mundo, com sorte, te dá de presente.
Como quem diz no ouvido da sua insegurança: 'ei! escuta aqui: você importa (apesar daquela violência de 2016), você não é só mais uma (apesar de você ter sido pra aquele rapaz que se exibe falando de política no Youtube), você merece balões (embora eles sejam meio duvidosos na sua idade), e, principalmente, você está aqui pra ser vista com lupa - inclusive com suas idiossincrasias'.
Eu sei, tem gente que foge - e torce para o dia engolir em uma única garfada a manhã, a tarde e a noite - e tudo ser logo desaniversário. Homo sapiens que fingem que o dia em que saíram da barriga de suas mães é só mais uma data registrada no calendário ou em um boleto de pagamento bancário.
Por que o ano não tem 364 dias? Devem pensar. Ou: por que meu nascimento não pode ser um evento protocolar, como, por exemplo, sei lá, o dia do auxiliar de serviços gerais? Confesso que sinto inveja dos seres humanos desse planeta. Acho cool.
Eu, definitivamente, no departamento "parabéns para você", tenho sete anos pra sempre. Do tipo que avisa pra quem não sabe: "oi, tudo bem, sabia que hoje é meu aniversário?". Eu sei, é ridículo. e, a real é que eu sou ridícula não apenas em novembro.
Quando a gente é criança - com privilégios, infelizmente - essa alegria auto referente costuma ser mais aceita. O bolo, a meia noite, os presentes, e, principalmente, o amor proclamado em voz alta. Mas será que essa parte, a do afeto, não deveria ser a base do calendário do ano inteiro?
Tenho um amigo, o Edu Carvalho - meu parceiro aqui no UOL -, que ganhou seu primeiro bolo de aniversário no ano passado. Quando completava 25 anos. Não acreditei quando ele me contou. E pensei que deveria saber o máximo possível de aniversários. E distribuir bolos. A gente não quer só comida, a gente quer vela e luz apagada.
Eu, aos 49, ganhei minha primeira festa surpresa, e embora um fato esteja a léguas da distância do outro - no que diz respeito à desigualdade social e aos significados desses símbolos para cada um de nós (e também como representação do abismo de classes do Brasil), há algo que nos une. À todos. Inclusive quem não gosta de celebrar.
Estamos aqui. E não sabemos até quando. A minha linha do tempo, que começou em 1975, eu não sei até onde vai. Quantos anos ainda tenho? E o quer fazer com eles?
Para semana, quero ver o filme do Pedro Freire e o do Walter Salles, e, se der, a série Disclaimer. Para o resto dos dias, acho que comemorar a vida dos outros pode ser um programa diário. Com ou sem aniversário.
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