'Não há tempo que volte, amor' e a gente não tem controle sobre quase nada
Escrevo esse texto cruzando o Atlântico. No avião, sob um mar que parece um céu, e um céu que parece Deus, penso que geografia é também uma matemática. Sabe quando a distância te ajuda nas contas? Naquela lista invisível, e eventualmente opressora, de tudo que você ainda é, mesmo depois de anos tentando deixar de ser?
'Vou fazer musculação', eu disse doze meses atrás. Prometi sair do WhatsApp. Ouvir novas cantoras. Ler com meu caçula. Ser mais minimalista, menos atrasada, comer menos chocolate. Vou aprender dois ou três pratos. Dar blocks presenciais, trabalhar menos, dançar mais. E, principalmente, fazer três coisas que adio desde a adolescência: viajar sozinha, ser mais 'flat' e menos 'febre e amor', e admitir que, sim, eu sou um ser de comédias românticas. Desculpa, Bergman.
Parece pouco, mas só a gente sabe da gente. Das nossas grandes pequenas causas. Dos projetos possíveis e daqueles dos quais, enfim, entendemos que 'então, pode ser que não dê, nem agora e nem depois'. E tudo bem, porque os avessos podem ser capas - e nem tudo precisa de vitrine.
E como é importante desistir e não desistir. Escolher onde marcar o X. E perceber - nossa, que liberdade - que a gente não tem controle sobre quase nada a não ser em como recebemos os acasos. Com que roupa, em que rua, com qual playlist.
Falando em playlist, eu planejei - acho que foi em março - que precisava, do verbo PRECISAR, ouvir músicas novas. Mas o raio-x que veio há alguns dias no Spotify me mostrou o oposto. Passei o ano colada na Marina Lima e no Antônio Cicero, viciada na Mãeana e totalmente rendida à Anitta. E como os sentidos são selfies cujos ângulos não dominamos, acho que vale o "pit stop". Uma olhada com atenção.
É mais ou menos como de dentro do carro fazer um gesto oferecendo passagem para um desconhecido, sabe? Só que, ao invés do desconhecido, você cede para vida. Querendo ou não.
Porque a morte do Antônio Cicero me deu um nó e um laço ao mesmo tempo. Um não, três. Um de que não vivo sem poesia, dois de que eu nunca vou deixar de ser apaixonada e passional (tem diferença?), e três de 'que não há tempo que volte, amor.'
Um brinde, portanto, a todos os instantes desse ano que vai embora, dos mais divertidos aos mais dolorosos. Viajando sozinha, ouvindo Fullgas e revendo Amelie Poulain pela décima primeira vez - olho para os últimos meses com alguma cumplicidade. Longe de casa e do barulho do cotidiano, aproveito o mistério de um lugar que não é meu - como se algum fosse.
Meus anos são pessoas, é assim que marco o tempo. As saudades e as mudanças que só se apresentam com o ar de dezembro. Entre um panetone de frutas secas e uma compra de última hora, nada como uma semana com vista para dentro. Mesmo que seja para enxergar o óbvio. Aqui é febre, amor e questões com o relógio: essa sou eu, e pode ser que não tenha jeito.
No mais, seguimos tentando. Que tentar já é um projeto imenso.
Feliz ano novo, gente. Até janeiro, se Deus quiser.
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