Ainda Estou Aqui (e no Oscar e também no mundo todo)
Estamos em dezembro de 1979, em uma UTI de um hospital de Campinas, São Paulo. Um rapaz de vinte anos, imóvel, em pânico, e com a quinta vertebra cervical quebrada depois de um mergulho em um lago, conversa com sua mãe:
- Mãe, eu vou voltar a andar?
- Eu não sei, filho. Acho que não.
- Mas e o violão, mãe? E a faculdade? Como é que eu vou fazer?
- Você vai dar um jeito filho. Aliás, um jeito só, não. Vários. Você vai escrever um livro sobre o acidente, e esse livro vai se chamar "Feliz Ano Velho". Você vai mudar a vida de muita gente e vai ser um sucesso.
Depois disso, você vai se estabelecer como um grande escritor e vai ganhar prêmios, apresentar programas, fazer pecas de teatro, trabalhar em jornais.
- Mas e o violão, mãe? E a minha vida?
- A sua vida vai continuar, filho. Sem o violão, mas com muitas outras coisas.
- Mas e as garotas, mãe?
- As garotas vão continuar gostando de você, filho.
- Mas será que eu vou poder ter filhos?
- Vai, sim, Marcelo. Você vai ter dois filhos. Joaquim e Sebastião.
- Você tem certeza?
- Tenho certeza.
- E você não sabe.
- O quê?
- Além da sua história, você também vai contar a minha.
- Como assim, mãe?
- Você vai escrever outro livro, esse chamado "Ainda Estou Aqui". Vai falar de como eu lidei com o assassinato do seu pai, de como lutei pelo atestado de óbito dele, de como criei você e suas irmãs sozinha, de como me formei em direito aos 47 anos, e de como você achou importante, diante da minha falta de consciência por causa do Alzheimer, me dar uma voz que eu já não tinha.
- Mas como é que você sabe de tudo isso, mãe?
- Porque hoje a minha vida está no Oscar, filho.
- Isso não existe, mãe. Que Oscar?
- Sim, Marcelo. O livro virou filme. Eu agora eu estou mais famosa que você.
- Você está falando isso só para me agradar.
- Não estou, não. Ainda estou aqui colocou a ditadura brasileira no mundo inteiro, meu filho. E o título ficou bonito em todas as línguas: I'm still here; Je suis encore la; Io sono ancora qui.
- Acho que você tomou alguma coisa, Eunice Paiva. Não é possível.
- Não tomei nada. Pergunta para Fernanda Torres. Ela também já sabe de tudo que eu estou te contando. Por minha causa, ela virou uma estrela internacional, filho.
- Está bem, mãe. Vou fingir que eu acredito. Você está falando isso porque eu estou aqui nessa cama de hospital. Mas e o violão, mãe?
- Ah, filho. esquece isso. Vamos concentrar na torcida, pelo filme e pela Nanda. Aliás, estou amando as roupas dela. E as unhas naturais? Chiquérrima. Ah, uma última coisa, filho: o violão não vai rolar mesmo, mas talvez você tenha talento para gaita.
Bom Oscar para vocês, gente.
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