Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Como a criação antimachista pode garantir relações saudáveis à nova geração
Vou narrar pra vocês uma cena bem comum que ainda acontece na casa de muita gente: almoção de domingo, família toda reunida. Termina o almoço e quem levanta pra tirar os pratos da mesa e lavar a louça? As mulheres. É algo praticamente automático. Enquanto isso, homens continuam o papo esperando o café (que também vai ser preparado pelas mulheres). E quem está de olho nas crianças, normalmente, também é uma das mulheres.
Se na casa de vocês não é assim, que bom. Se é, sinto dizer que este é um dos vários sinais do machismo que ainda impera na nossa sociedade, nos nossos costumes e, infelizmente, na criação dos nossos filhos. Dica básica de igualdade neste caso: ou tem um rodízio nessas tarefas, ou levantam todos e dividem o trabalho.
A gente precisa chamar atenção para isso. Lembrando, inclusive, que o machismo está na origem da violência de gênero, então precisamos educar nossas filhas para que cresçam e não se tornem vítimas de violência doméstica, por exemplo, e nossos filhos para que cresçam e não se tornem os agressores.
Recentemente eu vi num programa de TV um apresentador falando em tom de brincadeira sobre o momento em que o marido chega em casa cansado do trabalho. A ideia dele era dar uma dica para a esposa que aguardava o marido em casa. E ele disse o seguinte:
"Você, mulher, que recebe o marido cansado e não para de falar dos problemas domésticos parecendo uma matraca, depois leva um tapa na cara e não entende a razão. O melhor é oferecer os chinelos, ficar quietinha, cuidar do jantar e deixar o homem descansar". Sim, século XXI, na TV aberta. Quantos homens e mulheres, adolescentes ou não, ouviram aquilo e realmente receberam como uma "bela" dica? No fundo, claro, um verdadeiro desserviço. Na época, usei este exemplo para ter uma conversa séria com meus filhos sobre o absurdo daquilo. É preciso ter muito diálogo para que os jovens consigam perceber o que não cabe mais, o que não pode ser aceito.
Quantos "Arthur do Val" existem por aí que ainda não entenderam nada sobre isso e saem vomitando seus pensamentos machistas e misóginos?
Como explicou a promotora de Justiça Nathalie Malveiro esta semana em Universa, "misoginia é qualquer ato de demonstração de ódio à mulher e à condição feminina. Reflete-se no preconceito à mulher que pode vir na forma de discriminação, invisibilidade e violência. O machismo, por sua vez, se refere ao enaltecimento do masculino em detrimento do feminino. É o conceito social em que o homem, em uma relação, é superior à mulher, que deve a este homem, obediência".
As crianças aprendem muito pelo exemplo, pelo que observam, pelo que ouvem e vão interiorizando. Até sem perceber, falamos coisas que trazem um machismo velado e precisamos identificar isso para romper com conceitos ultrapassados e "pré-conceitos".
Frases como "menino não chora", "isso não é coisa de menina", "esse brinquedo é masculino" ou "quem paga as contas é o papai", "quem manda é o homem", "parece uma mulherzinha (se referindo ao menino que chora ou grita)", "aqui as meninas cozinham e os meninos lavam os carros", "menina prendada, já pode casar", "menina não pode", "mocinhas devem ser belas recatadas e do lar" e tantas outras estão carregadas de um machismo enraizado que vai atravessando gerações. Nós, como pais e mães, precisamos interromper isso.
Se não interrompermos, as novas gerações vão perpetuar esta sociedade machista. Basta ver a quantidade de perfis no Instagram com o nome "antifeminismo". Um perfil que pesquisei tinha sido criado por um adolescente e foi muito triste ver o conteúdo que era colocado ali. Algo de uma ignorância e de uma agressividade assustadoras.
A Justiça acompanhou as transformações da sociedade e no código civil não existe mais o chamado pátrio poder (que colocava o homem como o "gestor" da família) e sim, no lugar, temos o poder familiar (igualdade de responsabilidades). Já não nos referimos mais ao homem como "chefe de família", até porque, no Brasil, quase metade das famílias é chefiada por mulheres, sustentada por elas - e, muitas vezes, somente elas.
Se um casal com filhos, formado por homem e mulher, vive junto, deve dar o exemplo dividindo direitos e deveres em relação à carreira de ambos, aos cuidados com os filhos, às tarefas domésticas. Mostrar que a profissão da mãe é tão importante quanto a do pai, que quando pai leva ao pediatra ou participa do grupo do WhatsApp da escola ele não é nenhum super herói por isso são atitudes que fazem toda a diferença.
Em relação a tarefas domésticas, me lembro que em 2009, quando o programa Papo de Mãe, que eu apresentava, entrou no ar pela TV Brasil, as mães diziam muito "meu marido é ótimo, ele me ajuda tanto, até troca fraldas". Aquela frase aos poucos começou a causar incomodo porque, no fundo, as mulheres colocavam pra si a obrigação e o marido era tido como um ajudante que prestava um favor. Com o tempo a frase mudou para "em casa nós dividimos" - e isso faz toda a diferença. Uma questão de igualdade que vale para todas as situações, independentemente de a mulher trabalhar fora ou não.
Se o machismo prega a superioridade do homem, o feminismo luta por respeito e igualdade. A sociedade já evoluiu bastante, mas ainda há muito a ser feito. Houve um tempo em que nós mulheres não tínhamos nem o direito de sermos alfabetizadas e há apenas 90 anos começamos a votar.
Temos que ensinar nossas filhas que elas devem estar onde elas quiserem, inclusive na política, onde a presença feminina ainda é tão pequena. Deixá-las livres para decidir se querem ou não casar, se querem ou não ter filhos, entendendo que não precisam cumprir obrigação nenhuma. Por que ainda se usa o termo "papel de esposa", "função de esposa" ? Por que há mulheres que dizem "sou esposa e mãe". Nunca ouvi homens dizerem "sou marido e pai".
Um menino que desde pequeno aprende a respeitar sua mãe, suas irmãs e todas as mulheres à sua volta, terá maiores chances de crescer e ser um homem que trata bem as mulheres. Um garoto que brinca de bonecas pode aprender desde cedo como ser um bom pai.
E quem tem meninos e meninas não deveria ter a mesma regra para ambos? Mas conheço famílias em que o menino pode trazer a namorada para dormir em casa, mas a menina não. Por que?
Quanto a piadinhas machistas, é pior quem conta ou quem dá risada? Além das piadas que já não cabem mais, os ataques a mulheres que recheiam as redes sociais com frases do tipo "vai lavar uma louça", "feia assim só podia ser feminista" e coisas piores, deveriam ser diariamente combatidos. Pelas nossas filhas. Uma luta que deve ser de homens e de mulheres, de pais e de mães.
Ah, e por favor, vamos parar de chamar aquele deputado estadual de Mamãe Falei. As mães não merecem isso.
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