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Mariana Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Papel dos pais na adultização de crianças e na infantilização dos jovens

FG Trade/Getty Images
Imagem: FG Trade/Getty Images

Colunista de Universa

24/04/2022 04h00

Alguma coisa realmente parece estar fora de ordem, fora da nova ordem mundial. Quando vejo crianças sendo tratadas como adultos e adolescentes tratados como crianças, me pergunto: por que não respeitamos mais as fases de cada etapa da vida?

Certa vez, ouvi de uma pessoa que minhas filhas eram muito infantis porque ainda gostavam de desenhos animados, de brincar feito criança, de se sujar, e não se preocupavam em estar arrumadas, pintar as unhas, usar um "saltinho". Elas tinham 5 e 8 anos. O que eu mais queria é que realmente fossem infantis, levando em conta que estavam num momento da vida chamado infância. Sapato de salto para criança? Pra quê?

Também já notei que pais e mães ficam muito orgulhosos ao comentar que seus filhos e filhas ainda pequenos parecem "mini adultos", por serem "espertos demais para a idade". Mas qual a vantagem disso mesmo? Tudo bem a criança esperta demais, isso pode acontecer, mas não devemos cobrar isso dela.

Ao entrevistar especialistas para debater este tema quando eu apresentava o Programa Papo de Mãe na TV Cultura, aprendi, por exemplo, que brincar de maquiagem, brincar de pintar as unhas é uma coisa. Mas fazer isso com a intenção de colocar a menina como uma mini mulher não é legal. Antecipar fases de amadurecimento pode, inclusive, provocar efeitos físicos, como a menstruação precoce, que, por sua vez, pode interferir no crescimento.

E, em relação aos meninos, ouvir frases como "é o homenzinho da casa" também impõe a ele uma responsabilidade desnecessária no alto de seus 7 ou 8 anos - além de ser, convenhamos, uma frase extremamente machista.

O que quer dizer "ser o homem da casa"? Aquele que manda? O que tem maiores responsabilidades sobre todos por ser homem? Ou então, o que quer dizer quando proíbem um menino de chorar por ele "ser homem" ou por "já ser grande" - aos 4, 5, 6 anos? Criança chora e tem este direito. Menina ou menino.

Sendo assim, criança precisa assistir conteúdos voltados para a idade - até por isso os filmes têm classificação indicativa - e devem, sim, serem conteúdos infantis! Ao crescerem, passarão a assistir o que estiver de acordo com a idade delas. Isso vale também para games. Nem todos os jogos são indicados para menores de 18 anos.

Quando meus filhos eram pequenos, alguns amiguinhos já assistiam filmes para adolescentes e passavam a agir como tais. Eu era a mãe chata que não deixava assistir.

Existe também a linguagem certa para abordar assuntos que são necessários com as crianças, porque sabemos que há assuntos que devem ser tratados desde cedo - só é preciso pesquisar, estudar, para saber como direcionar. Temas como prevenção do abuso infantil e educação sexual, por exemplo, devem ser abordados de acordo com a idade e isso é possível.

Também a exposição de crianças nas redes sociais, tão cedo mais preocupadas com likes do que com bolas ou bonecas, a longo prazo trará consequências. O aumento de casos de ansiedade e depressão, como comentei na minha coluna anterior, cada vez mais cedo, mostra isso. Adultizar uma criança é fazer também com que ela passe a ter doenças de adultos.

Por outro lado, ouvi dia desses pais comentando sobre a primeira reunião de pais e mães na UNIVERSIDADE do filho. Eu nunca tinha ouvido falar em reunião de pais na faculdade, quando a maioria dos estudantes é maior de idade e até já está no mercado de trabalho.

Ainda no ensino médio, já é esperado que o estudante assuma autonomia, amadureça: finalmente chegou a hora de deixar de ser infantil. Mas daí parece estar acontecendo a infantilização do adolescente.

Pais e mães vão até a escola reclamar que professores dão notas baixas ou até que querem "doutrinar" seus filhos, como se já não fosse chegada a hora de eles pensarem pela própria cabeça, terem ideais, se descolarem da família.

Afinal, um dos papéis da escola é ensinar a pensar. Qual seria, então, o equilíbrio entre o que é um cuidado e o "fazer por eles"? Quando entender que, agora sim, estão mais para adultos do que para crianças? São mais alguns dos desafios da parentalidade...

Então, num momento, queremos acelerar o crescimento e, quando crescem, queremos retardar a vida adulta? O que está acontecendo? Seria o medo de perder o controle sobre os filhos e entender que, de fato, os criamos para o mundo e chega a hora em que precisam voar? Todas essas perguntas precisamos nos fazer porque também temos muito o que aprender nesta jornada.

A infantilização hoje não parece estar só atingindo adolescentes, mas também adultos, quando a sociedade tenta justificar atitudes criminosas de marmanjos de 30 ou 40 anos dizendo que "não foi nada, só coisa de moleque".

Ora, temos que respeitar as idades e as fases da vida com responsabilidade e discernimento. Quando eu critiquei numa rede social o fato de ter faculdade fazendo reunião com pais e mães, muitos defenderam esta prática do ensino superior dizendo que querem "continuar acompanhando a vida escolar dos filhos" - e eu entendo isso. Não quer dizer que não ligamos mais para eles. Mas então, quando que esses estudantes vão assumir com autonomia suas próprias vidas? Já podem votar, dirigir, serem presos e não dão conta da vida estudantil?

Como pais e mães, também temos que saber a hora de sermos dispensáveis, o que é mesmo um processo difícil. Uma coisa é controlar a vida de uma criança, que precisa ser cuidada, orientada, educada, ter segurança. Mas, confiando em tudo o que foi feito nos primeiros 18 anos de vida deles, chega a hora em que não nos cabe mais este papel. É claro que as preocupações são para sempre, assim como o amor. Mas o controle, não.

Lugar de criança é na infância. Lugar de adolescente é na adolescência. E adulto é adulto - que lide com seus deveres, obrigações e consequências. Não é à toa que cada fase da vida tem seu nome e uma definição.