Topo

Mariana Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Assédio: marido de amiga sugeriu que fôssemos amantes e me calei. Por que?

AndreyPopov/Getty Images/iStockphoto
Imagem: AndreyPopov/Getty Images/iStockphoto

Colunista de Universa

12/06/2022 04h00

Tenho a impressão de que quando somos mães e sofremos um assédio, o peso que cai sobre nós é ainda maior. O relato que li esta semana da professora Letícia Menegon, publicado pelo Papo de Mãe e destacado pelo UOL, me fez lembrar de uma situação humilhante e constrangedora pela qual passei 20 anos atrás e que me entristece até hoje. Pelo que vivi e porque me calei. Mas quando outras mulheres falam, nos mostram que é preciso revelar sim.

Letícia contou que sofreu assédio sexual do pai do melhor amiguinho do filho. Ele a agarrou durante uma festa infantil, quando ela saía do banheiro. Sem testemunhas, sem provas, só a palavra dela. Os julgadores e preconceituosos de plantão logo farão a pergunta: "Mas o que ela fez para ele agir desta maneira"? Ou seja, o velho e lamentável hábito de culpar a vítima. Resultado: acabou com o casamento dela e com a amizade do filho. Letícia, que até hoje tenta resolver o caso na justiça, ficou péssima, arrasada.

Pois foi assim que me senti também quando o marido de uma amiga sugeriu para mim, do nada, num momento em que ficamos só nos dois numa mesa de restaurante, que eu fosse amante dele. Segurou forte nas minhas mãos. Num primeiro momento, achei que tivesse ouvido errado, que era uma brincadeira. Mas a insistência dele me fez perceber que não.

Eu estava super enjoada, no começo de uma gravidez que ainda não tinha revelado para ninguém. Minha amiga tinha um filho pequeno e estava grávida também. A primeira coisa que me veio à cabeça foi: "O que eu fiz para ele me fazer uma proposta dessas"? Eu mesma já me culpei. Senti vergonha de mim.

Num segundo momento, me senti humilhada, sem reação. Gaguejei, fingi que não tinha entendido, mesmo ele repetindo umas duas ou 3 vezes com o argumento de que "era normal", ou que "conhecia casais que faziam isso". As outras pessoas logo voltaram para a mesa e o jantar seguiu como se nada tivesse acontecido.

Ele continuou rindo e se divertindo e eu passei a noite querendo sumir dali o mais rápido possível, mas não consegui reagir. O que seria o certo a fazer? E o que seria o errado? Depois disso, sofri calada - e por algo que eu não tinha provocado, mas com o qual teria que lidar.

Eu nunca mais queria ver aquele homem, mas gostava da minha amiga. Várias possibilidades passavam pela minha cabeça: se eu conto pra ela, ou acabo com o casamento e com uma família, ou acabo com a amizade. Se fico quieta, tudo continua como está. O risco de eu ser chamada de louca, de ele dizer que eu estava inventando, ou que eu não tinha entendido direito, era enorme. Que provas eu tinha? A minha palavra contra a de um "marido dedicado e pai amoroso". Me senti acuada. Optei pelo silêncio e me afastei dos dois. Ela talvez nunca tenha entendido. "Muito trabalho", "muita correria", eu dizia.

Então, ainda angustiada, decidi me abrir com outra amiga. Foi pior. Fui julgada, ouvi que eu não era amiga de verdade, que, se fosse, teria contado tudo. Não, não é tão simples assim. Se o assédio acontece entre duas pessoas solteiras e sem filhos, se restringe ali (e ainda assim implica dúvidas, denunciar ou não, revelar ou não). Mas quando envolve outras pessoas como namorados, namoradas, maridos, esposas, companheiros, companheiros, filhos ou filhas é ainda mais complexo.

De lá pra cá amadureci e aprendi muito. O machismo estrutural que nos rodeia diariamente é que mantém homens assim felizes, sorridentes, com o ar de bom moço, bom marido, bom pai. E sabem por que? Porque ainda nos calamos.

Com seu texto corajoso, Letícia me mostrou que falar é necessário para desmascarar esses "homens de bem" que se acham no direito de assediar mulheres para satisfazerem o próprio ego e se sentem seguros pois se beneficiam do nosso silêncio.

Quando a gente para e reflete, se dá conta de quantas outras situações pelas quais passamos que não foi "só uma brincadeira" ou "só um mal entendido". Foi assédio sexual, ou assédio moral, ou abuso de poder. Não podemos confundir com uma "simples cantada" nem com "um elogio". Temos que nos conscientizar disso para dar o nome certo a essas atitudes e saber reagir.

Ah, aquela minha amiga e o marido? Hoje estão separados.