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'Trazer pra casa o filho que nasceu em outro lugar': pais falam de adoção
Nunca me esqueço de uma história que uma mãe me contou durante entrevista para o programa "Papo de Mãe". Quando ela adotou a filha, ainda bebê, estava um dia num restaurante dando a mamadeira para a filhinha quando uma mulher se levantou de outra mesa e veio até ela criticar e fazer um discurso sobre a importância da amamentação, dizendo que era um absurdo ela dar a mamadeira para uma criança pequena.
Ela então gentilmente explicou que a bebê era adotada, que ela não tinha passado por uma gravidez, que não tinha leite e que precisava alimentar a filha. A julgadora se desculpou e voltou para de onde não deveria ter saído.
Mas não venho falar hoje mais uma vez sobre julgamentos e sim sobre adoção. Há tantas histórias em torno deste tema - e muitas vezes desinformação também. O fato é que a "gestação" de um filho adotivo pode durar muito mais do que 9 meses e também é cheia de ansiedade e expectativas.
Os pais e mães adotivos que conheço costumam comentar que não gostam quando alguém diz que eles fizeram "uma boa ação". A intenção não é fazer uma boa ação, é ter um filho ou filha para amar e cuidar. Não importa quais são os motivos, se tinha ou não problemas para engravidar, se resolveu de repente ou se sempre teve esta vontade. E se essas pessoas têm filhos adotivos e biológicos fazem questão de dizer que nunca apresentam seus filhos como: "Este é meu filho biológico e este é meu filho adotado". Dizem simplesmente "estes são meus filhos".
Existe muito preconceito envolvido também. Quando um adolescente dá "trabalho" aos pais, se ele for adotivo costumam dizer que é por este motivo (lá vem os julgadores de novo). Mas sabemos que há muitos filhos biológicos que dão o tal "trabalho" igualmente - não dá para ligar uma coisa à outra.
A beleza das histórias de adoção que conheço está na diversidade de formações familiares e em como se dá este encontro tão emocionante. Pode chegar um bebê, uma criança ou até um adolescente: a adoção tardia é mais rara de acontecer, mas é igualmente linda. Há ainda a adoção de irmãos.
Vini Campos, escritor e colunista do Papo de Mãe, adotou com o marido, Eduardo Lagreca, 3 irmãos já grandinhos. Milagros tinha 12 anos, Alfredo 11 e Pablo 9. O tema da adoção está num dos livros infantis publicados por Vini, "Rita e o Manual para Ser Astronauta".
Para Vini, a adoção é uma das coisas mais difíceis que existem: "As pessoas me diziam que a dificuldade existia pelo fato de que as crianças vêm com histórias complicadas e que são muito rebeldes. Na nossa experiência, entendi que a dificuldade existe não por causa deles, mas por nossa causa", afirma.
Segundo ele, insistimos em dar aos filhos aquilo que gostaríamos de ter tido, mas não nos perguntamos o que eles precisam. "Meus filhos tiveram uma história completamente diferente da minha e se quero ter sucesso na educação e vê-los crescendo saudáveis e felizes, preciso sair da minha zona de conforto e entender o que eles precisam de fato, e a partir de então exercer meu papel de pai". Para Vini isso é acompanhá-los em sua trajetória apontando os limites para que eles não se percam no caminho.
No caso de Michele Guimarães Rosa, foram 4 irmãos adotados. A história começou há 11 anos. Ela e o marido, Paulo, já tinham um filho cada um e a família foi sendo reunida aos poucos. Primeiro vieram as duas menores e, depois, os dois maiores. Luis chegou com 8 anos e hoje tem 16, Juliana ficou morando um ano com outra família e chegou com 7 anos (hoje tem 14), a Isa chegou com 5 anos e hoje tem 13 e a Julia chegou com 13 dias e hoje tem 11 anos. "São irmãos biológicos que foram separados e nós fomos buscá-los para crescerem juntos um a um. Detalhe: a minha caçula Julia chegou primeiro, depois a Isa, Luis e depois a Juliana (Jujuba)", conta Michele sobre o "nascimento" de cada filho.
A comissária de bordo Adriana Mariani levou 7 anos para conseguir colocar seu sobrenome no filho Felipe, que adotou sozinha, e lhe dar uma nova certidão de nascimento. Foram anos difíceis para ela, que enfrentou essa morosidade da justiça: "Felipe chegou com 9 meses e a nova certidão saiu quando ele tinha 8 anos e meio quase. Pra mim, adotar é trazer pra casa o seu filho que nasceu em outro lugar".
Antoune Nakkhle, jornalista e também colunista do Papo de Mãe, é pai da Gabi. Ela chegou recém-nascida para ele e a ex-mulher, Eliete Cigaarini. Uma adoção interracial, já que ele e a mãe da Gabi não colocaram nenhuma restrição no cadastro de adoção. "Eu aprendi a cuidar do cabelo da Gabi e a arrumar o cabelo dela com as mãos. Era também um momento de carinho. Ela ama o cabelo crespo dela, que é lindo"
Antoune garante que laços de DNA não fazem diferença nenhuma. E que, mesmo que a filha não se pareça fisicamente com ele ou com a ex-mulher, Gabriela é fruto do amor deles. "O mais importante foi quando peguei a Gabriela no colo, ela chegou com 28 horas, e ela agarrou meu dedão da mão. E eu virei e disse assim: Oi filha, tudo bem? Eu sou seu pai. Parece careta, brega, mas foi super espontâneo e emocionante para mim. Amor é amor e ponto final".
Importante lembrar que, quando falamos de uma adoção, falamos também de uma família que abriu mão ou que perdeu a guarda, situações que normalmente envolvem muito sofrimento. Já entrevistei famílias que passaram por isso.
Doar um filho é também um ato de amor. Quem passa por uma situação dessas também não precisa de julgadores. O foco deve, ou deveria ser, o que é o melhor para aquela criança.
Lembrando que a adoção chamada de "à brasileira", direta, é ilegal. É necessário entrar no cadastro nacional de adoção.
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