Topo

Mariana Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Dizer não; reconhecer risco: combate à violência de gênero desde a infância

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista de Universa

21/08/2022 04h00

A prevenção da violência de gênero começa na infância

Já há algum tempo criou-se o hábito de dar cores aos meses para chamar atenção para causas, datas relevantes (as efemérides), prevenção de doenças e acidentes. Agosto, por exemplo é "agosto dourado", em defesa da amamentação, e "agosto lilás", pelo combate à violência contra a mulher.

Coincidentemente, ambos os temas falam dos direitos femininos: o direito à amamentação, a mãe amamentar onde ela quiser, e o direito à própria vida: lugar de mulher é onde ela quiser. Sobre amamentação, há especialistas que falam maravilhosamente bem, destacam a cor dourada pelo "momento de ouro" de o bebê já ser alimentado pelo leite materno já nas primeiras horas de vida. Sugiro para este tema os artigos do pediatra Moises Chencinski, que eu considero um grande guardião da amamentação.

Aqui neste artigo, gostaria de me aprofundar no agosto lilás, mês em que comemoramos o aniversário da Lei Maria da Penha, que completou 16 anos. Não podemos deixar este tema de lado quando a violência doméstica ainda é uma epidemia no nosso país: são 8 mulheres sendo agredidas a cada minuto, uma sofrendo feminicídio a cada 7 horas.

A maior parte dessas mulheres é formada por mães. Agredidas e assassinadas, em sua maioria, pelos próprios maridos, namorados, companheiros. Que, em sua maioria também, são os pais dos seus filhos. Assassinadas por serem mulheres, por homens que as conhecem muito bem: por isso, a definição de feminicídio e da necessidade de contarmos com uma outra Lei, a Lei do Feminicídio, de 2015.

Numa das entrevistas que fiz com Maria da Penha, ela me disse que o sonho dela é ver a aplicabilidade da Lei que leva seu nome em todos os municípios brasileiros, já que não basta ter uma das melhores leis do mundo para proteger as mulheres se ela não for realmente colocada em prática, dando às vítimas as condições de denunciar e sair da situação de violência antes que o pior aconteça.

Tão importante quanto falar sobre o socorro, o acolhimento e os direitos de uma vítima da violência de gênero é falar da prevenção. O Instituto Maria da Penha, presidido por ela, já faz um enorme trabalho que começa nas escolas, com crianças: entre as atividades, os alunos e alunas aprendem sobre a Lei a partir do cordel, numa linguagem acessível para a idade. Desde cedo, entendem o que são os direitos das mulheres, o que é considerado uma violência - e que ela não é apenas física.

Muitas vezes, numa situação de violência doméstica, a própria mulher precisa se conscientizar de que ela é uma vítima. O machismo enraizado na nossa sociedade chega a confundir esta compreensão, fazendo com que esta mulher se coloque, ou seja colocada, inclusive, num lugar de culpada.

Sempre repito nas minhas palestras que nós, como pais e mães, temos a obrigação de ensinarmos nossas filhas a crescerem e não se tornarem vítimas e nossos filhos a cresceram e não se tornarem agressores. Desde que conheci Maria da Penha no Ceará, passei a trabalhar como voluntária para acolher e orientar mulheres vítimas de violência. Com a também jornalista Marisa Marega, coordeno um grupo no Facebook que reúne atualmente 6 mil vítimas. (https://www.facebook.com/groups/1741293742823826/)

Um outro projeto fundamental de prevenção da violência de gênero foi elaborado pela promotora de Justiça do MPSP Valeria Scarance: é a cartilha Namoro Legal. (http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Cartilhas/NamoroLegal.pdf)

Nesta cartilha, Valéria orienta adolescentes sobre como evitar um relacionamento abusivo, que pode ser a porta de entrada para a violência. A cartilha também é bem interessante para pais que queiram conversar sobre este tema e orientar seus filhos e filhas.

Entre as dicas da cartilha, que é bem didática, há destaque para os sinais que indicam que um relacionamento não é saudável. E essas orientações servem tanto para meninos quanto para meninas. Eu separei aqui algumas dicas da cartilha. Estas dizem respeito ao saber dizer não:

  • Não troque de roupas por ninguém: você tem seu próprio estilo;
  • Não deixe de frequentar lugares em razão do namoro: você define seus limites;
  • Não coloque seu amor em um pedestal: o namoro faz parte de sua vida, mas não é a sua vida. Antes de mudar de ideia por influência do namorado ou namorada, reflita se essa mudança te fará bem: você é sua melhor conselheira;
  • Não permita que te trate como boba: isso é estratégia, você é inteligente;
  • Não permita que te interrompa o tempo todo: você tem voz! Não aceite piadinhas ofensivas: você tem valor;
  • Não permita que destrua suas conquistas: orgulhe-se e exiba seus troféus;
  • Nunca aceite explosões: homens e mulheres devem manter o respeito;
  • Nunca aceite gritos: respeito é a base de tudo;
  • Nunca aceite escândalos: saia do local imediatamente. Não invente desculpas para as falhas da outra pessoa: a culpa não é sua.

O combate à violência de gênero deve ser uma ação coletiva - tanto no socorro de uma vítima, denunciando, orientando, acolhendo, fazendo com que as Leis sejam cumpridas, quanto na prevenção — principalmente orientando e alertando. Assim, quem sabe um dia, isso nem seja mais um tema tão necessário de ser discutido.