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Mariana Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Mães sem marido', presidente? Em muitos casos, ainda bem

Djavan Rodriguez/Getty Images/iStockphoto
Imagem: Djavan Rodriguez/Getty Images/iStockphoto

Colunista de Universa

04/09/2022 04h00

Os machistas de plantão gostam de dizer que mulher precisa de homem, que mulher depende de homem, que mulher sem marido não merece respeito por ser "solteirona", "perua desquitada" e outras coisas ridículas que ouvimos por aí.

Já passou a época de afirmar que uma mulher precisa de um marido, né? Se ela quiser ter alguém e encontrar alguém que valha a pena, seja homem ou mulher, tudo bem. Mas não por obrigação.

Lembro de participar, há muitos anos, de um evento com a antropóloga Mirian Goldenberg e de ela ter comentado sobre uma peça teatral com Zezé Polessa chamada "Não sou feliz, mas tenho marido", que infelizmente retratava o pensamento de muitas brasileiras (e ainda retrata?), enquanto as europeias já tinham adotado e colocado em prática um velho ditado bastante sábio: "Antes só do que mal acompanhada".

No debate presidencial de domingo passado, o atual presidente Jair Bolsonaro chamou as mães solo (ou sozinhas) de "mães sem marido", como uma nova versão de "mãe solteira". Notem aqui o poder de cada palavra. Tanto marido quanto solteira remetem à presença masculina. Uma mãe pode estar sozinha por diversos motivos, até mesmo por opção, como uma amiga minha que adotou seu filho sozinha.

Fato é que, segundo o IBGE, 11 milhões de mulheres no Brasil criam e sustentam sozinhas seus filhos - por opção ou pela falta de opção, já que em muitos casos os pais simplesmente desaparecem. Lembrando que mesmo quando o casal se separa, o pai deve continuar tendo responsabilidades em relação aos filhos - ou pelo menos deveria. Responsabilidade financeira e afetiva.

Então, sim, mãe solo é a definição mais correta e respeitosa. E sabemos que infelizmente há mães que são solo, mesmo tendo maridos.

Nós, mulheres, ainda enfrentamos diariamente situações vergonhosas, como se o fato de ser uma "sem marido" fosse um crime ou algo parecido. Eu mesma já passei por isso quando me separei, como contei no podcast Sexoterapia aqui do UOL, com a Barbara dos Anjos e a Ana Canosa.

Eu cheguei a ser retirada de alguns grupos de WhatsApp por não compor mais um "casal". Era como se você não pertencesse mais àquele mundo pelo fato de ser uma mulher separada. Em pleno século XXI, lá estava eu sendo vista como uma ameaça. Em resumo: em determinados grupos, os homens acham que você será "má influência" para as esposas. E as esposas acham que você vai dar em cima dos maridos. Como se eu não tivesse a opção de, simplesmente, ficar sozinha. Haja paciência.

O mais importante é que nenhuma mulher precisa de rótulos para defini-la. Muito menos rótulos ligados ao seu estado civil.

Eu, hoje, por exemplo, digo que sou casada. Mas não casei no papel. Que diferença faz? Eu sou muito mais do que ter ou não um marido. Não aguento quando uma mulher diz "sou mãe e esposa" ou "meu papel de esposa". O que quer dizer papel de esposa?
Tendo ou não marido, é fato que sou mãe. Mãe, sim, é papel que a gente assume.

Fica como dica aqui o podcast Conversa de Portão, produzido pelo Nós, Mulheres da Periferia, em parceria com Universa/UOL e tão bem comandado pelas jornalistas Mayara Penina, Jéssica Moreira, Semayat Oliveira e linda equipe. Um dos episódios tratou justamente da vida das mães solo da periferia na pandemia.