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Mariana Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quem se responsabiliza pelo gap pedagógico das crianças no pós pandemia?

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Imagem: iStock

Colunista de Universa

25/09/2022 04h00

Tenho conversado com professores, psicólogos, psicopedagogos, psiquiatras e muitos pais e mães de crianças e adolescentes em idade escolar. Posso dizer, com base nessas escutas, que o caos está instalado. As consequências da pandemia na educação estão transbordando nas salas de aula, tanto nas escolas públicas, quanto nas particulares.

Dadas as dimensões e as condições de cada escola, os estragos se manifestam de diversas maneiras. Mas é fato que, em todas, há sofrimento.

Os especialistas explicam que, assim como há saberes diferentes e maneiras particulares de aprender, há também uma variação de reações. Sendo assim, para alguns estudantes, o período longe da escola presencial pode não ter causado impacto algum. Mas, para uma grande parte, principalmente de quem já tinha antes alguma dificuldade, está sendo um problema retomar o ritmo, reaprender, por exemplo, a assistir uma aula na classe.

A impressão que dá é que todos ainda estão um pouco perdidos, escolas e famílias. Escolas chegam a sugerir que o aluno se mude para outra instituição de ensino, como se isso fosse resolver o problema quando, no fundo, deveriam abraçar, acolher e repensar. Ora, se foi complicado ir para o ensino remoto, ou ficar sem ensino algum, retomar a rotina escolar não necessariamente seria uma tarefa fácil para todos.

Com consultórios lotados, profissionais ligados à saúde mental de crianças e adolescentes, ou ligados a questões pedagógicas, sentem de perto as diferentes dificuldades, os desesperos, o medo da repetência, a preocupação com depressão, ansiedade e outras. Há registros pelo DATA SUS de aumento de autolesão entre adolescentes: eles se cortam, se machucam, na tentativa de aliviar uma angústia.

O pedagógico e o emocional se entrelaçam. Mas afinal, o que vem primeiro? "Vou mal na escola porque tenho depressão ou tenho depressão porque vou mal na escola"? As cobranças, as comparações e os julgamentos de nada ajudam neste momento.

Quem ficou pra trás no rendimento escolar vai assim se sentindo isolado, abandonado, acuado. Como resgatar estes estudantes? O aumento do número de exigências nesta situação, segundo alguns especialistas, não ajuda.

O psiquiatra da infância e adolescência Gustavo Estanislau, membro do Instituto Ame Sua Mente, faz um alerta: para ele, há um excesso de diagnósticos de transtornos, como o de TDAH (transtorno do déficit de atenção e hiperatividade), quando, na verdade, estão deixando de olhar para o que dois anos longe da escola representaram para cada indivíduo.

Este trabalho individual seria extremamente importante nesta situação, mas quais escolas conseguem fazer isso? Claro que quando existe um transtorno é bom que ele seja identificado e tratado. Mas os "sintomas escolares" neste pós isolamento social precisam levar em conta o período de afastamento do ambiente escolar.

Há, de fato, um aumento nos índices de ansiedade e depressão entre crianças e adolescentes, mas também um aumento dos diagnósticos - o que tem um lado bom, para que se procure ajuda o quanto antes.

De um modo geral, os alunos mais afetados por um atraso de aprendizagem foram aqueles que estavam na pandemia no momento de alfabetização.

No começo da pandemia, eu participei da bancada do programa Roda Viva, da TV Cultura, entrevistando Priscila Cruz, do Todos Pela Educação. E lá atrás ela já previu o que estamos vivendo hoje, ainda mais com a total falta de ações e diretrizes por parte do Ministério da Educação ao longo deste anos, atolado, inclusive, em denúncias de corrupção. As escolas teriam que se preparar para um olhar individual de cada estudante, mas como dar conta disso?

Com a educação abandonada pelo governo, coube ao Conselho Nacional de Educação tentar fazer alguma coisa, neste país tão enorme e desigual. O resultado da falta de políticas públicas está aí e vai permanecer por muitos anos.

O isolamento social foi fundamental na tentativa conter ainda mais mortes num Brasil que atrasou para comprar vacinas e ficou pregando a cloroquina. As sequelas dessas ações, ou a falta de atitude, na saúde e na educação, ainda vão perdurar por muito tempo.

A maioria dos estudantes brasileiros não têm condições de ocupar consultórios de especialistas para resolver seus problemas emocionais e pedagógicos e o poder público continua sendo omisso. Os casos mais graves são os de crianças e adolescentes que abandonaram a escola. A evasão escolar está estampada nos semáforos das grandes cidades, onde quem deveria estar na sala de aula, está vendendo bala para comprar comida.

Ainda vejo alguma esperança em iniciativas individuais, em ações de institutos e ONGs, ou até em pequenos grupos que se formam. Mas tudo isso ainda é pouco para reverter tantos estragos. Os governos precisam agir e com urgência. E a nós, cabe também sabermos votar corretamente no próximo domingo para que tenhamos representantes responsáveis e comprometidos nas assembleias legislativas estaduais e no congresso nacional.