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Mariana Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Afinal, queremos proteger nossas crianças e adolescentes ou os abusadores?

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Imagem: iStock

Colunista de Universa

23/10/2022 04h00

De acordo com nosso dicionário, pedofilia quer dizer: perversão que leva um indivíduo adulto a se sentir sexualmente atraído por crianças ou a prática efetiva de atos sexuais com crianças. Analisando esta definição, podemos concluir que quando um adulto diz "pintou um clima" ao se referir a meninas de 14 ou 15 anos, pode-se entender que ele se sentiu sexualmente atraído por elas.

Importante lembrar também que, de acordo com o ECA, Estatuto da Criança e o Adolescente, qualquer ato sexual praticado com menores de 14 anos é considerado estupro. Luciana Temer, diretora-presidente do Instituto Liberta, explicou esta semana em suas redes sociais mais alguns pontos muito educativos sobre o tema. Em primeiro lugar, "não existe prostituição infantil, o que existe é o crime de exploração sexual de crianças. E ninguém pode se omitir diante desta situação".

O Instituto Liberta é uma organização social de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. Em 2020, o Liberta lançou o documentário "Um Crime Entre Nós" (filme da Maria Farinha Filmes em parceria com Instituto Liberta e Instituto Alana), que retrata e denuncia a exploração sexual no Brasil, país que fica em segundo lugar no ranking mundial deste crime.

Em todo o território nacional, acontecem diariamente graves violações de direitos que atingem a dignidade humana e a integridade física e mental das vítimas. Considerando este cenário, o combate ao abuso infantil é urgente. É preciso denunciar e isso pode ser feito, por exemplo, pelo disque 100.

Muitas vezes existe uma subnotificação porque este costuma ser um crime silencioso e que acontece dentro de casa. O silenciamento, o segredo, as ameaças e o medo são parte da violência sexual. Uma criança dificilmente é ouvida ou compreendida e os adultos que sabem, mas não denunciam, acabam sendo coniventes.

Na última quarta-feira (19), deputados federais da base governista votaram contra um Projeto de Lei que visava transformar a pedofilia em crime hediondo.

Crime hediondo, o que é?

Eu fui buscar a explicação sobre crime hediondo no site do Conselho Nacional do Ministério Público. Segue abaixo:
Em Direito Penal, é um adjetivo que qualifica o crime que, por sua natureza, causa repulsa. O crime hediondo é inafiançável e insuscetível de graça, indulto ou anistia, fiança e liberdade provisória. São considerados hediondos: tortura; tráfico de drogas; terrorismo; homicídio, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente; homicídio qualificado; latrocínio; extorsão qualificada pela morte; extorsão mediante sequestro e na forma qualificada; estupro; atentado violento ao pudor; epidemia com resultado morte; genocídio; falsificação; corrupção ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos artigos 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889/56, tentado ou consumado (Veja Código Penal - Decreto-Lei n° 2.848/40).

A partir da definição acima, como não considerar a pedofilia um crime hediondo? E por qual razão? Um explorador sexual de crianças não deve ter uma pena mais grave? Afinal, queremos proteger nossas crianças e adolescentes ou os abusadores?

É preciso informar com qualidade e credibilidade para promover o debate social sobre o tema. O enfrentamento destes crimes precisa ser coletivo. Proteger nossas crianças é (ou deveria ser) um dever compartilhado entre Estado, família e sociedade, conforme prevê o artigo 227 da Constituição Federal, o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, e o artigo 70o, que determina: "é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente".

É importante destacar a vulnerabilidade dos menores de idade na relação desigual entre adultos e crianças, no racismo, nas desigualdades de gênero, na desconsideração de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e na adultização precoce.

Levantamentos feitos pelo Fórum Nacional de Segurança mostram que, em se tratando de violência sexual, mais de 85% das vítimas são do sexo feminino. Embora a maioria das vítimas tenham entre 10 e 13 anos, chama a atenção que 18,7% tenham entre 5 e 9 anos de idade, e que 11,2% são bebês de 0 a 4 anos. É trágico.

Entre as vítimas do sexo masculino, os casos estão mais concentrados durante a primeira infância e, entre as vítimas do sexo feminino, a violência sexual acontece mais frequentemente durante a adolescência. Crianças e adolescentes negras representam mais de 50% das vítimas. É cruel.

No Brasil, o dia 18 de maio é Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Mas essa luta pela vida das nossas crianças deve ser diária.