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'Minha filha viveu por 25 minutos. E foi o dia mais feliz da minha vida'
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Com um álbum de fotos de capa cor-de-rosa nas mãos, a enfermeira Natacha Silva Moz, 30 anos, aponta para a foto da mãe dela em uma sala de ultrassom. Na imagem, uma mulher sorridente, feliz com a recém-descoberta de que seria avó, acompanhava a filha naquele primeiro exame gestacional. "Esta foto foi tirada minutos antes de a gente receber a notícia", conta Natacha.
Assim que as imagens apareceram na tela do ultrassom, já foi possível perceber que Natacha esperava uma menina. "Minha mãe e eu explodimos de alegria." Mas, em seguida, houve um silêncio, acompanhado de uma mudança radical no semblante do profissional que realizava o exame. "Eu perguntei o que estava acontecendo, mas ele não me disse, e foi procurar por um médico", conta. "Assim que chegou, o médico olhou para a tela, desviou o olhar para mim, e, com cara de dó, disse: 'Sinto muito, Natacha. É uma má-formação na cabecinha dela e é incompatível com a vida'. Meu mundo desabou."
A história de Natacha e de sua primeira filha poderia ser interrompida nesse momento. Ela se enquadrava em um dos três casos em que a legislação brasileira permite a realização de um aborto: gravidez decorrente de estupro, risco de morte para a mãe ou, como neste caso, quando o feto tem alguma má-formação no cérebro. "O médico que me avaliou disse para eu interromper a gestação e eu perguntei: 'Qual é a outra opção?'. Ele disse: 'Você pode levar adiante [a gravidez], mas não vale a pena, porque é muito sofrimento'. Aquilo ficou na minha cabeça", conta ela. "Os médicos diziam que interromper a gestação seria mais fácil, mas eu questionava: mais fácil para quem?"
Depois de algumas semanas pensando, a enfermeira, que tinha acabado de iniciar sua residência na pós-graduação em cuidados paliativos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo, decidiu que levaria a gravidez até o final, apesar do prognóstico de que o bebê não sobreviveria. "Não foi fácil, e eu não julgo quem interrompe. Mas eu decidi seguir."
Na residência, enquanto a barriga crescia, ela acompanhava de perto o sofrimento de muitas mães que perderam seus filhos pelas mais variadas razões. Ao mesmo tempo, não podia sonhar com o futuro ao lado da filha, que naquele momento já tinha nome, Helena. "Eu sabia que talvez ela nem chegasse a nascer viva e que, se nascesse, ficaria só alguns minutos comigo."
À medida em que os meses avançavam, Natacha vivia uma rotina parecida com a de qualquer gestante: realizou o pré-natal, fez o plano de parto e organizou o chá de bebê. Tudo isso, no entanto, adaptado à sua realidade. No chá de bebê, em vez dos tradicionais itens de recém-nascido, como roupinhas e fraldas, ela pediu para que os amigos levassem fralda geriátrica e leite em pó para doar a uma instituição.
O plano de parto, um documento com valores legais onde devem constar os desejos da gestante em relação ao parto, no caso de Natacha teve que constar detalhes mais difíceis. "Precisei pensar em questões como: se ela nascer sem vida, eu vou querer ver? Vamos querer fotografar?" As decisões foram tomadas com muita dificuldade em conjunto com o pai de Helena, com quem Natacha rompeu o namoro pouco tempo após receber o diagnóstico da filha.
Mas também fazia parte do acompanhamento pré-natal dela consultas com profissionais especialistas em cuidados paliativos perinatais do Hospital das Clínicas. O serviço, que existe desde 2017 e é um dos poucos no país, consiste em acolher mães que gestam bebês com más-formações graves e que, em muitos casos, terão tempo de vida limitado. "Elas chegam com muito medo", conta Joelma Queiroz Andrade, obstetra responsável pelo serviço, que recebe mulheres de todo o país. "Por isso, o mais importante aqui não é o diagnóstico, mas, sim, acompanhar essas gestantes e fazer uma programação do parto, pois esse é o momento que elas mais temem."
Com Natacha não era diferente. "Todos os dias, quando eu ia dormir, pensava: 'Obrigada por mais um dia comigo, filha'. Mas, ao final da gestação, eu já pensava que era um dia a menos com ela", diz. "Por isso, eu fui ressignificando coisas. Por exemplo, eu sabia que não daria banho na minha filha. Então, todos os dias, eu dedicava cinco minutos do meu banho a ela e ensaboava a barriga como se estivesse dando banho nela."
Batizado no centro obstétrico
Faltando mais de um mês para a data prevista para o parto, a bolsa de Natacha se rompeu. Seguindo seu pedido, o parto foi uma cesariana, já que se fosse natural, Helena poderia morrer devido à pressão em seu crânio, que não estava totalmente fechado. "Eu tive que discutir com um dos médicos, que insistia para que fosse um parto natural, já que eu tinha todas as condições para isso. Mas eu não havia chegado até ali para morrer na praia", diz.
A equipe também permitiu que o irmão de Natacha e o pai de Helena estivessem presentes na sala de parto —pela legislação, a mulher tem direito a somente um acompanhante. "O momento do parto foi uma paz. Eu estava totalmente consciente e me lembro de tudo", conta ela.
Uma touca foi vestida na cabeça de Helena para que a má-formação não pudesse ser vista. Em seguida, a bebê foi para os braços da mãe. "Ninguém ficou fazendo exames nela nem nada. Apenas permitiram que a gente vivesse aquele momento."
A equipe médica perguntou se Natacha gostaria que a filha fosse batizada ali. "Eu sabia que naquela hora não haveria nenhum padre no hospital, então perguntei se havia alguém espiritualizado ali e que se sentisse confortável para batizar a Helena." Uma pediatra se voluntariou, encheu uma seringa de 1 ml com água e pingou umas gotinhas na testa do bebê. Nesse momento, Natacha conta que começou a ouvir um coro rezando Pai Nosso. "Era a minha mãe, a mãe do Guilherme [pai de Helena] e a prima dele. Permitiram que cinco pessoas entrassem no centro obstétrico. Foi algo muito forte e muito bonito", diz. "Minha filha viveu por 25 minutos. Nasceu e morreu no dia 8 de agosto e foi o dia mais feliz da minha vida."
A breve vida de Helena deixou como lembrança as fotos tiradas na maternidade e o contato inesquecível com a mãe, que conta ter sentido quando a filha faleceu. "Ela desencarnou no meu colo. Foi uma dor imensa na alma. E eu só olhei para a pediatra e disse: 'Ela se foi'." Depois disso, Natacha foi encaminhada para um quarto para se recuperar da anestesia. A equipe do hospital teve a sensibilidade de não colocá-la no mesmo quarto em que outras mães e seus bebês. "As enfermeiras foram muito queridas, tiraram a balança, o carrinho de banho, qualquer coisa que lembrasse os bebês. No dia seguinte, vieram umas 50 pessoas para me visitar e o hospital permitiu que elas entrassem."
Helena foi cremada dois dias após a alta de Natacha. Parte de suas cinzas compõem alguns relicários que a mãe mandou fazer e deu de presente aos familiares, e outra parte está enterrada, sob um Manacá da Serra, em um cemitério em Botucatu, no interior de São Paulo. Orgulhosa, Natacha mostra, no álbum de fotos cor-de-rosa, a imagem da árvore já grande e florida. "Sempre que eu tenho vontade de comprar alguma coisa para a Helena, especialmente em datas como o Natal, a Páscoa ou o aniversário dela, eu compro para o jardim. Por isso, o jardim dela é o mais decorado do cemitério."
Natacha, que hoje é especialista em cuidados paliativos, iniciou um novo relacionamento. Recentemente, descobriu que está grávida e, apesar da história difícil vivida na primeira gestação, não se arrepende de ter levado a gravidez adiante. Pelo contrário. "Se eu tivesse interrompido, eu não teria ressignificado nada, teria perdido tudo o que vivemos", diz. "Até hoje, em muitas coisas que eu faço eu penso: 'Será que a Helena ficaria orgulhosa de mim?'. Não quero dizer o que as pessoas devem fazer em uma situação parecida com a minha. Cada um tem a sua história. Eu não esperava que a minha filha fosse ficar 25 minutos viva. E, em todo esse tempo, ela não sofreu, permaneceu totalmente serena. Foi tudo muito perfeito."
Referência em cuidados paliativos
De maneira geral, os cuidados paliativos consistem em melhorar a qualidade de vida de pessoas com doenças graves. As técnicas e os procedimentos podem ser aplicados em pacientes em diferentes fases da vida. Em São Paulo, o Hospital das Clínicas da USP é uma referência nos cuidados paliativos perinatais, serviço que poucos hospitais no país oferecem.
Joelma Queiroz Andrade, obstetra responsável pelo serviço, diz que recebe mulheres de outras cidades e até de outros estados. Em comum, elas carregam, além de um bebê na barriga, a dificuldade em lidar com um diagnóstico devastador. "O feto malformado está intraútero, crescendo, mexendo. Como a gente fala para essa mãe que o bebê tem uma cardiopatia, ou múltiplas más-formações que não serão corrigidas?", pergunta. "Por isso o meu maior desafio são as más notícias. A cada nova consulta, a gente infelizmente dá novas más notícias."
Outra referência, o Instituto do Coração do HC, também tem uma equipe de cuidados paliativos na ala pediátrica. Paula Gaiolla, coordenadora da UTI pediátrica, começou a estudar cuidados paliativos por não aguentar mais sofrer diante dos casos graves que recebia ali. "Começou a ficar insuportável ver a dor daquelas mães", diz ela, mãe de duas filhas. O trabalho consiste em tentar fazer com que aquela dor, que já é grande, não fique ainda maior. "Se você sabe que seu filho vai embora de qualquer jeito, ele pode ir embora no seu colo."
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