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Marina Rossi

REPORTAGEM

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'Fiquei em casa com as crianças enquanto meu marido saía com outra pessoa'

A escritora Ilana Eleá - Andrea Belluso/Divulgação
A escritora Ilana Eleá Imagem: Andrea Belluso/Divulgação

Colunista de Universa

30/12/2022 04h00

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Faz alguns meses que a escritora brasileira Ilana Eleá, que vive na Suécia, tomou um café da manhã romântico com o marido. No cardápio, pastéis de nata vindos diretamente de Portugal. Os quitutes foram um presente dos pais de uma outra pessoa com quem Ilana mantém um relacionamento. "Eles vieram para a Suécia e trouxeram vinho e pastéis de nata de presente para o meu marido", conta ela. "Achei tão civilizado, maduro, respeitoso e sexy poder brindar o presente com ele!".

Ilana é adepta do poliamor, conceito que está dentro do espectro das chamadas relações não-monogâmicas consensuais. Decidiu abrir o casamento, após dez anos de união e dois filhos, enquanto fazia suas pesquisas para o livro "Emma e o Sexo" (editora e-galáxia), o primeiro da trilogia erótica "Emma". A história, guiada pela personagem que dá nome à publicação — uma antropóloga filha de pai brasileiro e mãe sueca — envolve temas tabus como masturbação, pornô feminista e pompoarismo. O fio condutor é uma camgirl que dá aulas práticas online para que as mulheres aprendam técnicas de prazer.

No meio de toda essa temática, a autora propôs ao marido que abrissem o casamento. "Quando completamos dez anos de casados, resolvemos abrir a relação, inspirados pelas leituras e discussões sobre o livro", conta. Inicialmente, essa abertura duraria um ano. "Foi a forma que encontramos de sermos realistas", diz, rindo. "Não queremos transbordar ainda mais o que já está bom".

O prazo, que já terminou e foi prorrogado por mais três anos, é também uma forma de cuidado com a relação. "A importância de checar com o outro se está tudo bem é fundamental", afirma. "Não existe nada para sempre". Hoje, no entanto, Ilana acredita que o casal passou da prática para a identidade. "O que era uma prática, um experimento, hoje é uma questão identitária. Se um dia nosso relacionamento acabar, a gente não vai voltar a ter um relacionamento monogâmico".

Com a experiência e os estudos teóricos, a autora lançou recentemente na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) o segundo livro da série: "Emma e o Poliamor" (editora Patuá), em que a personagem principal entra em contato com uma psicanalista dedicada a orientar pessoas na transição para a não-monogamia consensual.

"A escrita do segundo livro já vem com uma mão poliamorosa", conta. "No primeiro, era tudo muito teórico, visto de fora. A partir do momento que eu entro [nas relações poliamorosas], consigo trazer outra coloração do poliamor e também por isso sinto um salto qualitativo entre o primeiro e o segundo livro".

Livros de Ilana Eleá

Emma e o Sexo

Emma e o Poliamor

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Regras

Como qualquer relação, os relacionamentos não-monogâmicos necessitam de regras preestabelecidas pelo casal. "Temos poucas regras em comparação ao que ouvimos por aí", diz. "Somos livres para passear com outras pessoas pela cidade, mas não no nosso bairro, por causa dos nossos filhos. Também não trazemos pessoas para dentro de casa. Sempre conversamos depois para saber se foi tudo certo", conta Ilana. "Mas não é um confessionário. A individualidade do outro é muito importante, por isso não queremos saber detalhes, isso não apimenta a nossa relação".

A autora explica, no entanto, que as regras são estabelecidas caso a caso, e não existe uma fórmula. "Dentro do espectro da não-monogamia consensual, cada um constrói de uma forma. Se uma pessoa tem mais ciúmes que a outra, é preciso ter cuidado ao lidar com essa dor".

As relações não-monogâmicas consensuais são um espectro, Ilana explica. Engloba desde a prática do swing, que é a troca de casais — "mas tem gente que brinca que praticante de swing é monogâmico enrustido" — provoca ela, passando pelo poliamor, que é manter relações com mais de uma pessoa. "Dentro do poliamor você também tem outro espectro amplo", diz. "Você pode, por exemplo, levar a pessoa para a sua casa ou não. O chamado kitchen table (mesa da cozinha, em tradução livre), por exemplo, é quando eu levo uma pessoa para a minha casa, durmo com ela sem meu marido e no dia seguinte tomamos café da manhã nós três, juntos", explica. Pastéis de nata podem ou não fazer parte do cardápio.

O kitchen table não é o tipo de relacionamento de que Ilana e o marido são adeptos, já que o casal vive suas relações não-monogâmicas longe do lar. "Outro dia meu marido foi a uma exposição com uma das pessoas que ele conheceu", conta ela. "Eu fiquei em casa com as crianças no sábado para ele sair com essa pessoa. Ele voltou feliz, contando como foi, e eu fiquei feliz também. Acho muito bonito isso".

A autora, que é doutora em educação e atualmente estuda para obter o título de coach de sexo pela instituição norte-americana Sex Coach U, agora trabalha no terceiro livro da série, que será dedicado ao sexo tântrico. "Emma e o tantra", cuja previsão de publicação é no final do ano que vem, terá na bagagem a visita a um guru tântrico no Rio de Janeiro. "Fui nesse guru sem nenhuma expectativa", afirma. "Mas quando saí de lá, chorei muito. Por todas as sensações que tive, mas também por pena de nós mulheres que não temos acesso ao nosso corpo, que vivemos relações tão centralizadas no pênis

Nem tudo, no entanto, é respeitoso no universo das relações não-monogâmicas. Ilana conta que já foi vítima de ódio na internet diversas vezes, devido à sua escolha. "Mesmo alguns grupos de feministas acreditam que o fato da mulher ir atrás da sua sexualidade significa que ela está sendo escravizada pelo patriarcado", afirma. "Já me disseram que eu abri o casamento porque, do contrário, eu perderia meu marido. Gente, a monogamia nunca fez ninguém deixar de perder marido".

"Por isso, o que eu costumo dizer é: se você estiver bem, confortável, com consentimento, na monogamia, fique nela", diz. "Caso contrário, se você se considera inadequado porque o relacionamento monogâmico não condiz mais com o que você acredita, experimente!".