Topo

Marina Rossi

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Atos golpistas: polícia solta mães, mas nega direito a adolescentes presas

Golpistas que estavam em acampamento em Brasília são levados de ônibus à PF - Vinícius Nunes / Colaboração para o UOL
Golpistas que estavam em acampamento em Brasília são levados de ônibus à PF Imagem: Vinícius Nunes / Colaboração para o UOL

Colunista de Universa

13/01/2023 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Das 1.500 pessoas detidas por envolvimento nos atos e acampamentos golpistas em Brasília no último domingo, 729 foram presas e 599 já foram liberadas "por questões humanitárias", de acordo com nota da Polícia Federal, atualizada na terça-feira (10). São idosos, pessoas com problemas de saúde, gestantes, puérperas e mães de crianças menores de 12 anos ou com deficiência. O pedido para a liberação dos chamados "hipervulneráveis" partiu da Defensoria Pública da União em parceria com a Defensoria Pública do Distrito Federal.

No pedido, as defensorias destacam que os tribunais já reconhecem a necessidade de proteções e condições adequadas a esses grupos. De fato, em 2018, uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou que mulheres presas que estivessem gestantes, puérperas ou fossem mães de crianças poderiam ter a substituição da prisão preventiva pela domiciliar. Os casos são analisados individualmente e podem levar em conta a gravidade do crime e o histórico criminal da mulher.

Mas fora das manifestações e acampamentos em frente ao QG do Exército, o cenário é bem diferente. Especialmente quando se trata de mães adolescentes privadas da liberdade, as "questões humanitárias" não estão, aparentemente, entre as prioridades.

Dados exclusivos obtidos pela coluna revelam que, do total de adolescentes mães e gestantes em privação ou restrição de liberdade no sistema socioeducativo no Brasil, somente 22% foram beneficiadas, entre 2019 e 2021, por esse habeas corpus.

O dado estará na pesquisa "Adolescência, Maternidade e Privação de Liberdade: Mães e Gestantes no Sistema Socioeducativo Entre 2018 e 2021", que será divulgada a partir de março. Produzida pela pesquisadora Jalusa Silva de Arruda, professora da Uneb (Universidade Estadual da Bahia), a partir de dados inéditos coletados pelo Instituto Alana, o estudo trará informações sobre o perfil, a situação dessas adolescentes e o cumprimento do habeas corpus em todo o país.

Outra informação revelada pelo levantamento é a tendência a decisões mais favoráveis a gestantes do que a mães. "Isso pode sugerir maior sensibilidade dos agentes dos sistemas de Justiça e socioeducativo em relação ao estado gestacional do que àquelas que já têm filhos", afirmou Pedro Mendes, advogado do Instituto Alana, à coluna.

O número de mulheres presas no Brasil vem crescendo em um ritmo acelerado. Desde 2000, a quantidade de encarceradas quadruplicou, batendo o recorde, no ano passado, de 42 mil mulheres. Os dados são do relatório World Female Imprisonment List, um documento global sobre presas produzido pelo Instituto de Pesquisa em Políticas Criminal e de Justiça, da Universidade de Londres. Desse total, 74% são mães.

Diante desses números, parece claro que a a aplicação dos direitos humanos nesses casos é pontual e foi quase que uma exceção na liberação de mães presas após os atos golpistas do último domingo. Carece, então, de políticas públicas específicas e aplicadas na rotina do Judiciário. E para todos, independentemente de posição política.