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Marina Rossi

REPORTAGEM

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Quem é a brasileira que ajuda outras brasileiras a abortarem na Argentina

Edna Bayerlein mora na Argentina, onde recebe brasileiras que querem abortar - Acervo pessoal
Edna Bayerlein mora na Argentina, onde recebe brasileiras que querem abortar Imagem: Acervo pessoal

Colunista de Universa

17/02/2023 04h00

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A brasileira Edna Bayerlein, 57, mora em Rosário, cidade a 300km da capital argentina, Buenos Aires, e define quem é e o que faz assim: "Sou mulher, casada, tenho filhos e acolho brasileiras que me procuram para fazer um aborto".

Seu trabalho consiste em administrar o departamento financeiro do Centro Médico Domo, uma clínica de "saúde sexual integral", como diz o site. Mas além dessa função mais burocrática, ela também recebe o contato de dezenas de brasileiras que buscam realizar um aborto seguro no país, já que o procedimento é legalizado na Argentina desde 2020. "Atendo elas com o coração", diz.

"Ontem mesmo três brasileiras me procuraram, uma delas aos prantos. Mãe de duas crianças, desempregada e grávida de gêmeos. Ela está desesperada".

Edna conta que somente em janeiro, um mês que ela considera "fraco", recebeu o contato de ao menos 15 mulheres, todas brasileiras, público pelo qual ela é responsável na clínica.

Na maior parte dos casos, são mulheres casadas, com mais de 30 anos e que já têm filhos. "E a grande maioria se cuidou, se preveniu", diz. "Não são meninas descuidadas, como muita gente diz por aí." O perfil socioeconômico, porém, diverge. "Hoje em dia temos desde uma mulher que veio de avião e ficou no melhor hotel de Rosário até outra que era empregada doméstica, tinha quatro filhos e veio de carro de Manaus até aqui."

Essas mulheres começaram a chegar à clínica onde Edna trabalha no final de 2021, por meio de uma ONG chamada Milhas Pela Vida das Mulheres. A organização, criada pela cineasta Juliana Reis em 2019, acolhia e dava assistência, especialmente financeira, a mulheres que precisavam realizar a interrupção de uma gravidez primeiramente na Colômbia, depois na Argentina e México, levantando fundos para que as viagens até esses países fossem realizadas.

A organização não realiza mais essa assistência hoje em dia e voltou sua atenção para o debate sobre a legalização do aborto no Brasil. "Ao invés da solução individual, passamos a incitar o debate sobre o aborto legal aqui para garantir que as mulheres acessem seus direitos fundamentais", diz Juliana.

Abortos custam de R$ 2,6 mil a R$ 5,3 mil

Mas arcar com os custos para realizar na Argentina um procedimento considerado ilegal no Brasil não consiste somente na viagem e hospedagem. O valor para fazer a interrupção na clínica onde Edna trabalha varia de US$ 500 a US$ 1.000 (cerca de R$ 2.630 a R$ 5.260, na atual cotação), dependendo do tempo de gestação. Edna recebe uma comissão por cada mulher que chega à clínica por ela.

O valor mínimo do procedimento —equivalente à renda média mensal do trabalhador brasileiro, R$ 2.652, segundo o IBGE no ano passado— faz com que o acesso a um aborto seguro não seja só uma questão de legalidade ou não, mas também de condição econômica. Por isso, Edna conta, os casos são analisados individualmente. "Uma vez parcelei o pagamento de uma mulher, disse para ela me pagar a segunda parcela quando pudesse, fiquei sem comissão", diz.

"Temos que cobrar um mínimo para cobrir os custos do material usado. Não somos uma ONG, mas somos pessoas, fazemos o possível. Só não conseguimos bancar a viagem até aqui."

Das ruas para o Congresso

A legalização do aborto foi aprovada no Senado argentino no dia 30 dezembro de 2020. Em uma madrugada histórica, o país vizinho juntou-se a Cuba e ao Uruguai entre os latino-americanos onde a interrupção da gravidez é legal.

Desde então, a chamada Interrupção Voluntária da Gravidez (IVE, nas siglas em espanhol) passou a ser autorizada até a 14ª semana de gestação, sem que a mulher precise explicar as razões pelas quais decidiu realizar a interrupção. Após esse período, o procedimento pode ser realizado em casos de estupro ou de risco para a vida e saúde da gestante, na chamada Interrupção Legal da Gravidez (ILE, na sigla em espanhol), que já era legalizado.

O procedimento é realizado por clínicas particulares e pelo sistema público de saúde da Argentina.

Para Edna, essa conquista é atribuída integralmente às mulheres do país, que foram às ruas reivindicar o direito. "Não veio de cima para baixo", diz. "Não é uma questão de vontade política, é uma questão de vontade do povo".

Talvez por isso, nem ela nem a clínica foram alvos de ataques de nenhuma natureza. "Chegamos a ter medo de expor o nome da clínica na porta, mas colocamos e nunca sofremos nenhum ataque. Aqui, a cabeça das pessoas é diferente".