'Aproveita e tira tudo': por que útero parece descartável se há tratamento?
"Aproveita e já tira tudo." É assim que algumas mulheres recebem a notícia de que devem realizar um procedimento chamado histerectomia, que consiste na retirada do útero e, em alguns casos, dos ovários também. Além de pacientes com câncer ou endometriose, a cirurgia pode ser indicada para mulheres com miomas, que são o crescimento alterado do tecido uterino, tanto na parede do útero, quanto fora dele.
Segundo o médico Thomas Moscovitz, chefe do setor de videohisteroscopia da Faculdade de Medicina do ABC, cerca de 6 milhões de mulheres no Brasil têm miomas sintomáticos e precisarão de tratamento. Os principais sintomas são aumento do sangramento e irregularidades no fluxo. Ele ainda afirma, com base em dados do Ministério da Saúde e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que 9% das mulheres com 25 anos ou mais foram submetidas a uma histerectomia, sendo que quase 70% delas em decorrência de miomas. "São problema de saúde pública."
Ocorre que, em muitos casos, a cirurgia de retirada do útero poderia ser evitada. É o que defende a ginecologista Halana Faria. "A sugestão de cirurgia pela retirada total do útero acontece antes da tentativa de tratamento, principalmente pela falta de disponibilidade de tratamentos adequados e por uma concepção equivocada de que úteros são descartáveis", afirma.
A jornalista Regiane Oliveira, 45, levou um susto quando ouviu do médico que "o útero só serve para carregar bebê". "Fui a dois médicos e eles disseram que eu deveria tirar o útero por causa dos miomas", conta. Ela afirma ter miomas desde os 30 anos e que nunca sentiu dores, mas recentemente passou a ter sangramentos tão intensos que acabou tendo uma anemia. "O médico me propôs fazer uma histerectomia sem nem mesmo conversar comigo sobre possíveis tratamentos. Simplesmente falou 'se você não quer ter filhos, aproveita e já tira tudo. É uma cirurgia simples, tipo uma cesariana'. Voltei para casa chorando."
No ano passado, 125,5 mil histerectomias foram realizadas pelo SUS (Sistema Único de Saúde) no Brasil, a um custo de R$ 151,5 milhões. Retiradas as cesarianas e intervenções realizadas devido a abortamento, a histerectomia é a quinta cirurgia mais realizada em mulheres em idade reprodutiva no SUS, de acordo com o Ministério da Saúde.
A gestora de marketing Thais Halinski, 44, passou por histerectomia no final do mês passado, pelo SUS. Ela tentou um tratamento antes. "Me prescreveram hormônios fortíssimos para o controle do mioma, que causaram inúmeros problemas físicos e emocionais", diz. Apesar do tratamento, ela afirma que seu útero começou a crescer rapidamente. Por isso, a cirurgia foi um alívio para ela, que é mãe de uma menina de 15 anos.
Há, no entanto, uma cirurgia para retirar somente os miomas e manter o sistema reprodutor, explica Halana Faria: a histeroscopia. Além disso, em alguns casos também é possível utilizar o DIU Mirena, um método contraceptivo que pode auxiliar também no tratamento de miomas. No entanto, ele não está disponível no SUS. "Existem medicações e procedimentos que são muito difíceis de serem conseguidos pelo SUS", diz Halana. "Acaba que as mulheres no SUS são submetidas a histerectomias de forma inadequada."
"Em muitas situações, realizar uma histerectomia vai resolver o desgaste físico e emocional por conta de miomas, que trazem muita perda de qualidade de vida", diz Halana. "Muitas mulheres vão dizer que foi a melhor coisa que elas fizeram na vida. A questão que talvez elas não saibam é que existem opções terapêuticas."
"Decisão solitária"
A publicitária Gleidys Salvanha, 54, estava com a cirurgia marcada quando foi a um médico que fez seus planos mudarem. "Os exames apontaram para um crescimento do meu útero, mas não tinha sintoma clínico. Conheci um especialista em miomas que disse que eu não precisava de cirurgia e poderia fazer uma embolização", conta. "Por que nós mulheres nunca soubemos que existia essa opção? Fui a dois médicos, ninguém me disse nada sobre isso."
Felipe Nasser, médico-assistente do centro de medicina intervencionista do hospital Albert Einstein, explica que a embolização consiste basicamente em tirar a circulação sanguínea da artéria que nutre o mioma. "Os nódulos ficam integrados à parede uterina como uma cicatriz, desvascularizados totalmente", explica. A técnica pode ser utilizada até em casos de múltiplos miomas. "O que pode tornar a mais complexo é em casos em que o útero já está com um volume muito grande", diz.
O Ministério da Saúde informou, por meio da assessoria de imprensa, que estão disponíveis na rede pública, além da histerectomia, tratamentos medicamentosos e hormonais. Mas não oferece o DIU Mirena nem a embolização.
Os médicos consultados pela reportagem afirmam que é preciso analisar individualmente os casos para encontrar o melhor tratamento. Sangramentos excessivos ou não, dores, aumento do volume uterino e perda da qualidade de vida são fatores levados em conta. "Depende basicamente dos sintomas da paciente, da idade, fertilidade, sexualidade, morbidade cirúrgica, aspectos psicológicos, morfologia uterina e da qualidade de vida", explica Thomas Moscovitz. "Não existe conduta única."
O volume uterino foi o que mais assustou Cristina Naumovs, 45, consultora de criatividade. "Comecei a ter um fluxo muito intenso e acabei ficando anêmica. Fiz um exame e foi encontrado um mioma de dois centímetros. Um ano depois, o volume dele se multiplicou por dez", conta. "Era uma bola de 20 centímetros e por isso meu útero tinha o volume de uma grávida de seis meses". Ela conta que a decisão de tirar o útero foi difícil e muito solitária. "A coisa mais complexa era pensar que eu não poderia ter filhos gestados por mim."
Além dos impactos psicológicos, a retirada do útero tem consequências físicas a ser levadas em consideração. "Existem estudos que mostram que mulheres que fazem histerectomia total podem ter incontinência urinária e dificuldade de evacuação, porque o espaço que era ocupado pelo útero acaba sendo ocupado pela bexiga e pelo intestino", explica Laura Della Negra, fisioterapeuta pélvica, rolfista e educadora somática. "Além disso, o útero tem um componente fascial que se prende na cervical. Tirar o útero faz com que a tensão entre esses ligamentos se perca e a mulher pode desenvolver dor na cervical", explica.
Cristina Naumovs, que passou pela cirurgia há dez anos, decidiu pela retirada do útero depois de perguntar ao médico o que ele recomendaria à própria filha. "Eu diria para ela tirar", disse ele. "Por isso, o meu conselho é: Tente fazer de um jeito respeitoso com você. Não te faz menos mulher você não ter útero."
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Nota da coluna: Caros leitores e leitoras, esta é a minha última coluna em Universa. Foi um prazer poder falar, no último ano, de temas tão importantes e caros às mulheres como aborto, violência, machismo, saúde e sexualidade. A partir de agora, minhas reportagens estarão em diferentes editorias do UOL.
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