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Há romantização no parto natural? Ter feito cesárea não te diminui como mãe

Nesses últimos anos, o parto natural ganhou um status quase sagrado. Redes sociais, grupos de maternidade e até celebridades têm ajudado a pintar um retrato romântico desse momento: luzes baixas, música suave, mãe e bebê em uma conexão transcendental. A ideia de que o parto natural é a experiência mais pura e verdadeira para trazer um filho ao mundo é cada vez mais promovida. Mas será que essa pressão para viver um parto "ideal" está realmente dando liberdade de escolha às mulheres? Ou estamos apenas trocando uma imposição por outra?

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A verdade é que a romantização do parto natural pode se tornar uma nova forma de pressão para muitas mulheres - como foi para mim. Se, por um lado, a cesárea ainda carrega o peso do estigma de ser "escolha fácil" para algumas pessoas, o parto natural — muitas vezes retratado como a única escolha válida para quem quer o melhor para o bebê — começa a impor uma carga emocional e social enorme sobre as mulheres. Essa escolha, que deveria ser uma decisão íntima e pessoal, acaba se tornando um palco de cobranças e julgamentos.

Escolha ou dever?

Antes de mais nada, é essencial lembrar que o parto natural é uma escolha legítima, bonita e extraordinária para muitas mulheres. Não há dúvidas de que ele oferece benefícios reais para a saúde do bebê e da mãe, e há mulheres que encontram nessa experiência algo transformador e poderoso. No entanto, quando essa escolha começa a ser vista como uma obrigação para quem deseja ser uma "boa mãe", estamos pisando em um terreno perigoso.

Muitas mulheres, ao se prepararem para o parto, são bombardeadas com informações sobre os benefícios do parto natural — o que eu considero ótimo. O problema surge quando essa narrativa vem acompanhada de um julgamento implícito: qualquer outro tipo de parto é inferior, menos maternal ou menos saudável. A verdade é que cada mulher e cada corpo são diferentes, e a escolha do tipo de parto deve respeitar a realidade física, emocional e médica de cada uma. Quando a decisão é orientada mais pela pressão social do que pelo desejo da mulher, estamos ignorando a verdadeira essência da escolha.

A experiência do meu primeiro parto

Em meu primeiro parto, inclusive narrado em meu livro Vem cá me dar um abraço, vivi essa pressão e tinha tudo planejado para um parto normal humanizado. Durante dias, esperei o momento de trazer meu filho ao mundo como imaginava, mas, quando as contrações se intensificaram e não havia dilatação, meu obstetra recomendou a cesárea para garantir nossa segurança. Ele disse: "Minha obrigação é entregar um filho saudável a uma mãe saudável." Essas palavras me trouxeram o conforto que eu precisava para entender que a saúde está além das expectativas idealizadas.

A decisão não foi fácil, e o julgamento veio logo depois. Quando busquei apoio nos dias que se seguiram, vi a frustração se agravar. Ouvi frases como "não tentou o suficiente" ou "poderia ter esperado mais" — desconsiderando por completo minha realidade e a escolha médica. A romantização do parto natural pode fazer com que mulheres como eu, que optam (ou precisam) pela cesárea, sintam-se menos mães, uma ideia prejudicial e limitante que precisamos desconstruir.

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Culpa como companheira

A romantização do parto natural carrega, muitas vezes, um subtexto de que as mães que optam por cesárea, seja por necessidade ou desejo, são de alguma forma "menos" corajosas. Essa visão ignora fatores como condições de saúde, segurança do bebê e o direito da mulher sobre seu próprio corpo.

E, com isso, surge a culpa: mães que não conseguem ter um parto natural, ou que preferem uma cesárea planejada, frequentemente se sentem julgadas, como se tivessem falhado na primeira tarefa da maternidade.

A culpa, para muitas, começa antes mesmo do nascimento do filho. Frases como "Eu só quero o melhor para o meu bebê" tornam-se armadilhas emocionais, e a mãe que escolhe (ou precisa) de uma cesárea pode se sentir egoísta ou menos conectada com o filho. Esse tipo de julgamento é nocivo e não leva em conta as especificidades de cada história. Afinal, o que realmente define uma boa mãe não é o tipo de parto que ela teve, mas o amor, o cuidado e o respeito que ela oferece ao filho ao longo da vida.

Parto consciente

Defender o parto consciente é defender o direito de cada mulher escolher o que a faz sentir-se mais segura, mais feliz e mais em paz consigo mesma. O parto natural não deve ser idealizado como o único caminho "certo", nem a cesárea vista como um fracasso. O verdadeiro "parto humanizado" é aquele que respeita as escolhas da mulher, seja ela qual for.

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Se a decisão é pelo parto natural, que seja uma escolha feita com amor e com segurança. E se a decisão é pela cesárea, que seja uma escolha igualmente acolhida e respeitada. No final, o que realmente importa é que mãe e bebê estejam bem, que o nascimento seja feito com respeito e que a experiência de dar à luz, seja como for, seja lembrada com carinho e sem arrependimentos.

Romper com a romantização do parto natural é essencial para que todas as mulheres sintam-se livres em suas escolhas. Que o nosso maior objetivo seja esse: construir uma maternidade sem julgamentos, onde cada mulher seja respeitada e acolhida nas suas decisões, sem precisar se adequar a nenhum padrão ou expectativa.

*Monica Romeiro é a criadora do Almanaque dos Pais. Ela é comunicóloga, palestrante, empresária, conselheira parental e escritora de "Vem cá me dar um abraço - um colo de mãe para mãe" e "Amor maior que o meu - o que você mais, ser mãe ou seu filho?".

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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