Talíria Petrone denuncia ameaças à ONU. Brasil precisa de mártir para agir?
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Em uma cena do documentário "Sementes - Mulheres Pretas no Poder", tema de uma coluna recente por aqui, a mãe da então candidata a deputada estadual Renata Souza (PSOL) conta, entre panelas da cozinha, que a base da campanha de Marielle Franco a vereadora do Rio tinha sido naquela casa. "A Marielle era nossa companheira aqui. E acabou dando no que deu. Eu tenho muito medo pela minha filha, mas acredito muito nela."
A fala dá a dimensão dos medos e dos riscos envolvidos na decisão de mulheres que herdaram as bandeiras da vereadora morta a tiros em uma emboscada no Rio em 2018, mesmo ano em que Renata Souza, ex-chefe de seu gabinete, e sua amiga Talíria Petrone, foram eleitas, respectivamente, para a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e para a Câmara dos Deputados. A campanha delas e de outras mulheres negras é tema do documentário disponibilizado gratuitamente no site e no YouTube da Embaúba Filmes.
Talíria dava aulas de história em curso pré-vestibular na favela da Maré quando conheceu Marielle. Elas ficaram amigas e saíram candidatas a vereadoras no mesmo ano. Petrone foi eleita em Niterói defendendo uma cidade negra, popular e feminista.
Em 2019, seu primeiro ato como deputada eleita foi homenagear a amiga.
Pouco mais de um ano e meio depois, a deputada do PSOL precisou recorrer às Nações Unidas para pedir providências sobre ameaças de morte que vem sofrendo, conforme revelou Jamil Chade em sua coluna no UOL.
Ela requer que as relatoras de direitos humanos da organização cobrem explicações do governo brasileiro sobre ao menos cinco gravações de pessoas defendendo a sua morte no Disque Denúncia da polícia do Rio. Uma das ameaças chegou após o nascimento de sua filha.
Segundo ela, seu trabalho como parlamentar está sendo restringido por conta das ameaças. "Nosso país já tem uma democracia muito frágil e, sem dúvida, estamos vivendo um momento em que ela retrocede ainda mais", disse ela ao colunista, lembrando ainda que o Brasil é o país que mais mata defensores e defensoras de direitos humanos.
No início do mandato, seu colega de partido na Câmara Jean Wyllys (PSOL-RJ) renunciou e foi embora do país alegando medo das ameaças que se avolumaram após a eleição de Jair Bolsonaro.
"Grande dia", se limitou a responder o presidente na ocasião.
Resta saber o que dirá diante das relatoras da ONU caso a entidade resolva questionar quais providências o presidente brasileiro, que já elogiou o trabalho das milícias no Rio, tem tomado para garantir o trabalho dos parlamentares de seu país.
Em 2020, o país registrou mais de 176 mil candidaturas de mulheres nas eleições municipais, ante 154 mil da disputa anterior. É um lento mas importante avanço.
Só que, mais do que garantir a ampliação da representatividade, é preciso assegurar também a integridade de seus representantes.
Talíria faz bem em verbalizar as ameaças e pedir providências. O Brasil não precisa de novos mártires na política para entrar em estado de alerta.
Liberdade, pero no mucho. Por falar em liberdade, duas notícias recentes mostram como ela tem sido relativizada no Brasil atual. Uma delas é a denúncia apresentada contra a jogadora de vôlei de praia Carol Solberg ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) pelo "crime" de ter gritado "Fora, Bolsonaro" ao fim de uma partida. Se condenada, a atleta poderá levar uma multa de R$ 100 mil pela ousadia. Chama a atenção que o mesmo empenho punitivo não tenha sido visto quando atletas homens, do vôlei ou do futebol, celebravam seus feitos fazendo arminha em homenagem ao capitão.
A outra notícia foi o desligamento de Rachel Sheherazade a um mês do fim do seu contrato com o SBT. A apresentadora ficou conhecida intercalando opiniões no noticiário da emissora. Em uma ocasião, chegou a pedir aos espectadores que estivessem com pena de um menino negro amarrado em um poste no Rio que levassem o suspeito de praticar furtos para casa. Nada aconteceu com ela até que resolveu criticar publicamente o novo melhor amigo da emissora.
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