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Matheus Pichonelli

Diploma marombado e ódio à educação: de onde vem nossa paixão por atalhos?

31.mai.2020 - Em ato contra o STF e o governador Wilson Witzel, manifestante em Copacabana, no Rio, demonstra apoio ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, que ofendeu os ministros do Supremo em reunião com o presidente Jair Bolsonaro - Saulo Angelo/Estadão Conteúdo
31.mai.2020 - Em ato contra o STF e o governador Wilson Witzel, manifestante em Copacabana, no Rio, demonstra apoio ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, que ofendeu os ministros do Supremo em reunião com o presidente Jair Bolsonaro Imagem: Saulo Angelo/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

19/10/2020 04h00

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Um dia após seu vice-líder no Senado ser pego pela Polícia Federal com R$ 30 mil na cueca, Jair Bolsonaro anunciou, em uma live na quinta-feira (15), que pretende lançar um kit para ensinar ética e cidadania aos professores do Brasil. O material seria um contraponto ao suposto kit gay, como o capitão pejorativamente nomeou uma cartilha com orientações de combate a homofobia nas escolas e que foi usada de espantalho em sua conversão a "candidato das famílias" em 2018.

O anúncio aconteceu no Dia dos Professores, que receberam do presidente uma menção genérica e de passagem. Quem procurasse em suas redes algum testemunho, lembrança ou homenagem aos docentes que passaram e marcaram sua vida e trajetória ficaria no vácuo.

Bolsonaro e sua turma não gostam de professores. Suas escolhas para o Ministério da Educação falam por si. Um de seus ministros, suspeito de autoplágio, chegou a associar o ambiente universitário a balbúrdia. E o da Economia acha que universidades federais são gastos que deveriam ser assumidos pelas cidades que levam seu nome.

Entre ataques simbólicos e demonstrações de desconhecimento, bolsas de estudo têm sido podadas por quem já chamou estudantes de idiotas úteis, que sonha em controlar a indicação de reitores e classifica como "energúmeno" o patrono da educação de seu país.

A hostilidade, que se amplia a pesquisadores, intelectuais e artistas, seria coerente com os atropelos e desertos de ideia cultivados pela turma não fosse um detalhe. O ódio à universidade contrasta com a paixão pelo diploma.

Quem captou a ironia foi o jornalista português João Almeida Moreira, correspondente do Diário de Notícias no Brasil. Em artigo recente, ele lembrou que Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, mentiu que tinha especialização em Yale. E que Damares Alves (Direitos Humanos) dizia ser mestre em educação, direito constitucional e em direito da família, credenciais obtidas por ela mesmo através da leitura da Bíblia.

A lista dos currículos marombados é extensa. Por muito pouco Bolsonaro não nomeou para o MEC um ministro que informou ter doutorado e pós-doutorado em duas universidades estrangeiras que precisaram vir a público desmentir as qualificações.

A última polêmica corre em torno de Kassio Nunes Marques, juiz federal indicado pelo presidente para o Supremo Tribunal Federal que chama ciclo de palestras no exterior de pós-doutorado e que aparentemente copiou trechos inteiros de seu mestrado do trabalho de um amigo.

Foi-se o tempo em que plágio rendia reprovação. Hoje é trampolim para o mau aluno tentar tomar o lugar do professor.

Para não ser injusto, Nunes Marques é invenção dos neoaliados de Bolsonaro no Congresso, e não do bolsonarismo-raiz. E, vale dizer também, não é só no bolsonarismo-raiz que a creatina curricular virou moda.

Alvo de impeachment, o governador afastado do Rio, Wilson Witzel (PSC), que se elegeu na onda bolsonarista, mas rompeu com o presidente na hora oportuna, simplesmente inventou uma passagem por Harvard.

Os marombeiros curriculares pensavam que ninguém ia perceber, como provavelmente não perceberam outras inconsistências no discurso, no exemplo e no caráter.

Qualquer sintoma com uma estética da falsificação compartilhada em rede não é mera coincidência. Nelas estamos o tempo todo percorrendo atalhos, filtrando realidades e inflacionando um pouco de tudo, até a felicidade. Vencedor do Oscar, o filme "Parasita" é uma aula sobre as engrenagens desta era de falsificações.

Assim é se lhe parece, dizia Pirandello quando Instagram era ainda ficção científica e ninguém podia ainda vender curso de estética com jaleco de doutor nem palestra motivacional como conhecimento quântico.

As redes encurtaram o caminho para a glória, inclusive eleitoral. Com uma pequena ajuda dos amigos e dos robôs treinados e orientados para agir rapidamente, e em bando, é possível fabricar artificialmente carreiras sólidas por lorotas e palavras vagas que não aguentam dois minutos de apuração.

Ainda assim, elas permitem combater a corrupção em 180 caracteres sem precisar mover um dedo em 30 anos de mandato. Permitem também professar a fé sem vivenciá-la. Posar de protetor das florestas enquanto elas queimam. E vender cura milagrosa de remédios sem efeito comprovado.

Se o mundo real é dos espertos, o virtual é dos farsantes. Mentira ganha perna longa quando livros são substituídos por citações googleáveis e pequenas pistas e informações fragmentadas, editadas ou falsificadas dão a sensação de que temos o caminho livre para o conhecimento. A pororoca dá na desinformação. E na falsa solução política para "tudo isso que está aí".

Basta inventar outro nome para as coisas. Nas redes, burrice e senso comum se confundem com "coragem para falar a verdade". Farsa vira "mito". E trapaceiros não precisam colar na prova para passar de ano e subir na vida —ou na rampa dos ministérios. É só logar e falar sobre os anos de experiência nas academias e bibliotecas onde nunca pisaram.

Uma mentira repetida mil vezes não vira verdade, mas alimenta a manada por dias.

Com tanta gente falando sem ouvir ao mesmo tempo, ninguém vai perceber os furos e imprecisões. Se colar, colou. Se não, a matilha está aí para trucidar quem desmentiu o desmentido. O jornalismo profissional é o primeiro a ser engolido.