Domingo é dia de eleição. Que tal trocar os valentões por maricas?
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Jair Bolsonaro, o valentão do fundo da sala, jurou pegar João Doria na saída da escola desde que o governador paulista passou a cobiçar a cadeira da Presidência.
Como quem disputa atenções no recreio, os marmanjos se estapeiam dia sim, outro também, na ilusão de arrancar suspiros de quem assiste à cena apenas com apreensão. A diferença é que, entre o Palácio dos Bandeirantes e o Planalto, não há professores, coordenadores ou direção para frear os brigões. Eles são a direção.
No último capítulo da animosidade, o presidente foi às redes celebrar a suspensão das pesquisas da vacina que tem sido desenvolvida pelo Instituto Butantan, ligado ao governo paulista, em parceria com uma fabricante chinesa. O Jair, que passou o ano letivo curtindo a vida adoidado entre churrascos, passeios a cavalo e jet ski, estava enciumado porque o João havia ganhado elogios por fazer a lição de casa.
Para não ficar pra trás, decidiu, então, incendiar a prova. No caso, os testes que podem devolver alguma normalidade a um país marcado por mais de 162 mil mortes na pandemia do coronavírus.
Apesar disso, Bolsonaro estava radiante após o anúncio, feito pela Anvisa, da paralisação das pesquisas da "vacina do João", como denominou. A razão para a suspensão era um evento adverso grave; um dos voluntários dos testes havia morrido.
Com essa informação na mão, o presidente correu para anunciar aos seus seguidores que a vacina chinesa do adversário causava "morte, invalidez, anomalia". E não poderia ser obrigatória.
Como o ídolo americano, Donald Trump, que se declarou vencedor de uma disputa que perdeu, o pastiche brasileiro anunciou que a suspensão, uma derrota para qualquer um que anseia pela vacina, é "mais uma que Jair Bolsonaro ganha".
Quem já havia se esquecido do dia em que Bolsonaro se comparou a Johnny Bravo, personagem estúpido e valentão dos desenhos animados para lembrar que ele, só ele, e mais ninguém, havia ganhado a eleição em 2018 poderia pensar que estava diante de mais uma bravata do grandão da sala. Não era. Era um capítulo avançado da avacalhação que seu governo levou ao Palácio.
Após o anúncio do presidente, soube-se que a morte do voluntário da Coronavac não tinha relação com a vacina. A suspeita é que ele tenha se suicidado.
Tarde demais: os órgãos públicos responsáveis por acompanhar o caso já tinham sido obrigados a expor o voluntário e sua família para evitar mal-entendidos que relacionassem sua morte a alguma "anomalia" causada pela vacina. Um mal-entendido jogado no ventilador pelo próprio presidente.
Como o valentão não recua, não pede desculpas, não demonstra sentimento em público e, a bem da verdade, não se importa com o sofrimento de ninguém, nem de quem morreu nem de quem vai morrer (era preciso matar 30 mil para começar a limpar o país, lembra?), ele voltou a público para dizer que estava na hora de o Brasil deixar de ser um país de "maricas". E enfrentar a pandemia de peito aberto —de preferência sem máscaras, como ele pede e estimula.
Para completar o dia de fúria, Bolsonaro ainda mirou a artilharia contra os EUA, apenas a maior potência bélica do planeta, e prometeu responder com pólvora às cobranças para fazer a lição de casa na disciplina meio ambiente.
Suspendendo por instantes a fantasia do mito incansável, valente e disposto a ir à guerra, quase chorou em público ao afirmar que estava sendo oprimido pelo cargo e já não podia comer o seu pastel com caldo de cana em paz. Coitadismo pouco é bobagem.
Sob Bolsonaro, eleito com a promessa de restabelecer as hierarquias de uma velha ordem, seja lá o que isso signifique (ou sabemos bem), o governo brasileiro se apequena e apequena tudo ao seu redor, inclusive os parceiros da aventura abobalhada.
Diante de uma pandemia, que tem no medo e no cuidado as ativações dos instintos de proteção e segurança, ele coloca a própria virilidade em primeiro plano para provar que, com seu histórico de atleta e destemor a riscos, consegue enfrentar tudo e todos. É capaz até de transformar um vírus em gripezinha. Azar de quem morreu. Azar de quem perdeu parentes na pandemia. Quem mandou ser bundão. Quem mandou ser boiola. Quem mandou ser maricas.
Um velho amigo costuma dizer que um dos maiores engodos que se pode ensinar a alguém é que a vida é uma competição selvagem na qual, assim como no reino animal, prevalece a lei do mais forte.
Valesse essa lei, o mundo hoje seria povoado por um total de um animal. O maioral. O vencedor. O bambambam. O bão. O cara que botou todo mundo de joelhos, um a um. E sobrou sozinho, isolado, rico apenas da própria miséria.
Esta miséria é só o quadro parcial do legado da vitória dos marmanjos agressivos e iludidos da própria virilidade em 2018 e que agora estão na fase da autofagia. Para eles, os que temem a pandemia, dialogam, cedem, se protegem, cuidam dos seus, têm coragem de anunciar seus medos, demonstrar o que sentem, seus receios, limites, que pedem ajuda e estabelecem diálogos, parcerias e abertura à divergência e à diversidade não são o lado civilizado da história. São os "maricas".
Pois a fala irresponsável do presidente deveria ser o ponto de partida para a ressignificação de uma palavra associada à covardia e erroneamente atribuída a quem "se comporta com modos femininos", segundo o Houaiss. Os que se comportam "como homens" fogem como o diabo de inquéritos, investigações e questionamentos do jornalismo profissional. Mais um pouco e empurrarão o país à guerra, a única linguagem que parecem conhecer.
Sejamos maricas, então. E tenhamos a coragem de dizer que esses sujeitos precisam ser responsabilizados por atos, palavras e omissões —como adultos, e não como os detentores de um brinquedo em forma de caneta para preencher o próprio vazio e perturbar em paz quem os conteste.
No próximo domingo (15), o Brasil vai às urnas escolher seus futuros prefeitos e vereadores. Será um país menos acovardado se começar a mandar para o lixo da história os que confundem sensibilidade com covardia e burrice com bravura.
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