Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
"Relação mais ética e livre": para eles, a não-monogamia é um ato político
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Desde que compartilhei um vídeo com 10 motivos para não ser não-monogâmico, esse tem sido o tema mais pedido no meu Instagram. O curioso é que, só depois que o assunto veio à tona, me dei conta de que, mesmo vivendo esse tipo de relacionamento há anos, nunca falei muito sobre isso. Sobretudo com pessoas que não conheço.
Tem sido diferente elaborar o tema sob o olhar curioso de uma audiência que também é muito interativa. E divertido também. Algo interessante nessa troca foi ter sido cobrada para falar sobre um tema que simplesmente não faz parte das minhas competências: a não-monogamia política. E aí, decepcionei a torcida. Mas, nada melhor do que assumir que "essa não é a minha praia, não entendo muito sobre isso" pra gente junto ir entendendo do que se trata e, se for o caso, se aprofundar nessas questões.
Por sorte, acabei em deparando com um pessoal muito generoso e gentil ao compartilhar um pouquinho da sua visão aqui conosco. Então, encare isso como um tira-gosto e, se quiser, navegue pelos links ao longo desse texto. Também dá pra procurar a partir da hashtag #naomonogamiapolitica e encontrar mais gente e publicações a respeito:
Eles falam por que a não-monogamia é um ato político
"Viver a não-monogamia me ajuda a ser mulher, mãe, bissexual, me ajuda a pensar melhor o mundo como cientista social e doula. Não-monogamia para mim é uma postura política que desafia o sistema monogâmico e me ajuda tanto a construir relações mais éticas e mais livres, como também minha própria autonomia. É a possibilidade de viver todos os afetos de forma mais honesta, respeitando minha individualidade, mas também criando redes de apoio".
"Defendemos que a não-monogamia é uma prática política que se opõe diretamente ao sistema monogâmico, atrelado ao capitalismo e ao cis-heteropatriarcado. Não é apenas a possibilidade de relações afetivo-sexuais múltiplas, mas o desmonte de toda a hierarquia que atravessa nossas relações interpessoais incluindo as familiares e de amizade. Ao romper a centralidade e o isolamento do casal romântico, busca-se criar uma rede de afetos diversos, baseada no apoio mútuo e no respeito à autonomia de todas as pessoas envolvidas."
"Não-Monogamia Ética (NME) é a habilidade de desenvolver e cultivar sua autonomia afetiva, que não se caracteriza pelo individualismo mas sim pela interdependência, ou seja, precisamos da conexão, do suporte e do afeto de outras pessoas, mas não dependemos emocionalmente delas para nos sentirmos bem.
Também pressupõe que ninguém além de nós mesmos tem controle sobre nossos desejos e comportamentos. Ninguém pode fazer escolhas por nós, assim como nós não podemos fazer escolhas pelos outros ou impor que se comportem de forma que nos agrade. Nós temos responsabilidade por nossas escolhas, inclusive escolhas que irão desagradar outras pessoas.
A Não-Monogamia Ética é também sobre a construção de dinâmicas relacionais saudáveis, que não reproduzam a ideia de possessividade e controle tão presente na estrutura monogâmica, e que também não cerceiem a liberdade das pessoas envolvidas. É fundamental que haja comunicação, honestidade e transparência, para que essas relações sejam éticas e saudáveis. (Leia um manifesto sobre o tema aqui)"
" Não existe a possibilidade de não pautar minhas vivências individuais sem pensar nas estruturas sociais que permeiam a forma como nos vemos, como nos conhecemos e, por fim, como nos relacionamos.
A monogamia foi criada por homens brancos para dominar, administrar e acumular bens e propriedades, e para que isso seja feito, muitas pessoas foram deixadas de lado no quesito família e relação. Não-monogamia política vai além de como se relacionar ou apenas "não sentir ciúmes" de parceires, é sobre questionar tudo.
Por que mulheres pretas sempre foram vistas para serviço e não para casar? Por que mulheres gordas são vistas como doentes e sequer são humanizadas? Por que relações e identidades fora da heteronormatividade/cisgeneridade não podem ser consideradas legítimas?
Não-monogamia fala sobre dinâmicas de relacionamentos que podem ser moldadas de acordo com a vivência de cada um, porém pensando acima de tudo na autonomia e liberdade trabalhadas conjuntamente com o autoconhecimento e questionando a posse, o ciúmes, a hierarquização, a fetichização e os padrões impostos de beleza, afinal, gosto também é construção social"
"Sou travesti, atriz e tenho uma visão decolonial do gênero, do sexo e da monogamia. A não-monogamia pra mim é uma forma de entender o amor e os afetos pra além do que foi imposto.
A monogamia é herança da colonização e da catequização forçada dos povos originários e de demais pessoas que não se submetiam aos padrões da igreja na idade moderna.
A monogamia foi imposta como única forma de amor verdadeiro, fazendo manutenção assim de uma família restrita e auto centrada, separando as pessoas de ideias mais coletivas e plurais de sociedade. A não monogamia permite entendermos que toda relação de afeto é valida e importante, não só a relação conjugal; possibilitando a construção de laços de intimidade e troca com mais de uma pessoa, permitindo vivências mais comunitárias num mundo cada vez mais individualizador."
"Eu entendo a não-monogamia como um termo guarda-chuva que abrange todos os relacionamentos não-convencionais, como relacionamentos abertos e poliamorosos. Mas para além de um arranjo de relacionamento a não-monogamia também pode ser política.
Modelos não-monogâmicos como as relações livres (Rli), poliamor não-hierárquico e anarquia relacional são políticos e quebram com as lógicas da estrutura monogâmica, não se limitando a relacionamentos românticos, pois se estendem para todas as nossas relações sociais nos fazendo enxergar como muitas vezes nutrimos comportamentos tóxicos ou não tratamos nossas relações com a devida importância.
A não-monogamia é complexa e muitas vezes vista com muito preconceito e ignorância, mas pra mim é uma forma linda e leve de se relacionar."
"Não-monogamia para mim é uma forma de resistência a mais essa arma de controle do patriarcado. Faz parte da minha vontade de descolonizar meus desejos, afetos, do meu corpo. Faz parte de um movimento de emancipação de mulheres, porque nossos corpos, filhos e terras sempre foram, historicamente, as posses do patriarca. Pra mim, então, não-monogamia é abrir mão desse conceito de posse."
"A não-monogamia é um modo de relacionamento afetivo no qual o casal, através de um contrato estabelecido por ambos, resolve, mutuamente, poder se relacionar sexual e/ou afetivamente com outras pessoas. Esses contratos são diversos, flexíveis, mas precisam existir.
Pensar a não-monogamia no sentido político é pensar que a base da monogamia é a estrutura de propriedade que é perpetrada pelo capitalismo. Ainda que a gente pense "ah, mas a propriedade é inerente ao ser humano", isso não justifica lidar com os seres humanos como propriedade.
Então a base é essa, a não-monogamia é importante porque é um dos estágios para a derrubada de um sistema que tem como base a sustentação da propriedade privada em todos os âmbitos possíveis".
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