"Resposta ao patriarcado": lésbicas, elas serão vereadoras e fazem história
"Filha, aprende uma coisa: você não precisa ficar com alguém nem viver a vida toda com um homem passando raiva e vergonha pra ser feliz." A frase, feminista, foi dita por Marly à filha, Carla, quando ela tinha apenas dez anos de idade, e resumia os motivos do divórcio. "Minha mãe voltou a estudar, a trabalhar, e criou duas filhas sozinha", conta Carla.
Carla é Carla Ayres, graduada em Ciências Sociais, com mestrado em Ciências Políticas e doutorado em Sociologia Política, e também a primeira mulher assumidamente lésbica a conquistar o cargo de vereadora (PT) em Florianópolis, capital catarinense.
"Ter sido a primeira lésbica eleita já é um fato histórico"
"No Brasil todo foram 13 lésbicas eleitas, não só em capitais, mas em outras cidades. Aqui em Florianópolis, ter sido a primeira mulher lésbica eleita, e estar entre 5 mulheres numa Câmara, numa cidade em que até então, em 2019, tinham passado pela Câmara apenas 13 mulheres, já é um fato histórico", analisa.
Para Carla Ayres, a representatividade em espaços de poder impacta diretamente a vida da população LGBTQIA+.
"Florianópolis é uma cidade que se vende nacional e internacionalmente como uma capital gay friendly, amiga da comunidade LGBTQIA+, que não constrói política pública nenhuma pra proteger os casos constantes de violência, de desemprego, de população LGBTQIA+ em situação de rua. Todas as áreas da política, do pensar o planejamento urbano, afetam a nossa vida. Desde a iluminação de uma via pública, que pode ser propensa a casos de estupro e de violência contra LGBTs, até a criação de programas de empregabilidade, e de formação pros servidores públicos, principalmente de educação e saúde, para que exista um acolhimento maior no serviço público", defende a vereadora.
Crescimento da representatividade feminina
Dados do Tribunal Superior Eleitoral apontam que em 2016, dos 57,8 mil vereadores eleitos no país, 7,8 mil eram mulheres - 13,5% do total. Nesse ano, foi registrado um crescimento da representatividade feminina: 9 mil vereadoras já foram eleitas - 16% do total. (No Amapá, o primeiro turno das eleições será em 6 de dezembro.)
Eleita em Belo Horizonte pelo PSOL, capital mineira, a educadora popular e doutora em Ciência Política pela UFMG e pela Universidade de Coimbra, em Portugal, Bella Gonçalves, que é assumidamente lésbica, é uma dessas mulheres.
"Aqui em Belo Horizonte nós tivemos, além da minha eleição, a eleição de uma mulher bissexual, a Isa Lourença, e a eleição histórica da Duda Salabert, com mais de 37 mil votos, a maior votação da história da cidade, disparado. E é uma mulher travesti. Isso não é pouca coisa. Isso diz de um desejo muito grande de transformação de cidade e que vai ter consequência nas políticas públicas", afirma Bella.
"É uma resposta ao patriarcado"
Para a vereadora, o resultado das urnas mostra o fortalecimento de uma postura antifascista em todo o país. "Tem muito a ver com uma reação a uma pauta conservadora como é a Escola sem Partido e outros temas ligados à falsa polêmica da ideologia de gênero. É uma resposta de muita representatividade pra conjuntura. Ela é uma resposta ao patriarcado, mas não ao patriarcado em geral a partir de uma pauta feminista liberal, ela quer incluir a diversidade das mulheres, e isso é muito importante."
"Mulher negra em movimento, lésbica e moradora do Morro Santana, periferia de Porto Alegre. Filha de mulher negra, trabalhadora doméstica, que criou três filhos sozinha", é assim que a educadora social e sanitarista formada na UFRGS, Daiana Santos (PCdoB), orgulhosamente se apresenta.
Vereadora eleita na capital gaúcha, Daiana celebra múltiplas conquistas: até então, apenas uma mulher negra tinha sido eleita para a Câmara de Porto Alegre, Nega Diaba (PTB), em 1996. E nenhum representante da população LGBTQIA+ havia ocupado esse lugar.
"Foi um marco histórico para a luta LGBTQIA+. Nós tivemos, no Brasil, a maior quantidade de candidatos assumidamente LGBTs eleitos até hoje (80 pelo país). Isso demonstra que conseguimos alcançar uma capacidade de organização que resultou no êxito eleitoral destas candidaturas. Naturalmente nós somos pessoas de luta e militância. O que nos faltava, e ainda nos falta, é espaço e reconhecimento dentro das estruturas partidárias. Este ano conseguimos, pelo menos em alguma medida, este espaço."
Militante e ativista de luta na rua, Daiana iniciou desde muito jovem sua trajetória no movimento negro e no movimento LGBTQIA+, e também é idealizadora e coordenadora do projeto social Fundo das Mulheres PoA, que atende mulheres em situação de vulnerabilidade em Porto Alegre.
Voz e resistência
"Minha mandata será plural e engajada. Quero compor desde o meu gabinete com representação LGBTQIA+, até criar um colegiado participativo com coletivos e movimentos para estarem me acompanhando nesta caminhada dentro da Câmara Municipal. Tenho como propostas de campanha garantir a implementação da política integral de saúde da população LGBTQIA+, a criação de espaços de acolhimento, políticas de ações afirmativas no setor público e privado e, principalmente, dar voz diariamente para todas as violências sofridas por esta população e travar uma luta de resistência para mantermos nossas vidas!"
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