"Após 34 anos e 9 meses, eu conheci o meu pai e agora quero novo começo"
"Ontem, após 34 anos e 9 meses eu conheci o meu pai. Não há como remediar o passado, mas é possível construir um novo começo", celebrou a estudante de psicologia Belly Passos, 34, no Twitter.
A publicação viralizou e recebeu em seguida mais de 2.000 curtidas no microblog. "Nem tudo foi perdido esse ano!", comentou uma internauta. "Isso é maravilhoso, sempre há tempo para recomeços!", refletiu outro.
O tão esperado encontro de Belly com o pai, que levou quase três décadas e meia para acontecer, ocorreu recentemente, no fim de novembro. Os motivos que levaram ao afastamento e, tanto tempo depois, ao reencontro parecem ter saídos do roteiro de um filme - que termina com um final feliz.
"Meus pais se conheceram em Belo Horizonte, em 1985, e tiveram um breve relacionamento que durou dois meses. Depois, meu pai voltou à sua cidade natal, Medina (a 650 quilômetros da capital mineira). Um dia, ele recebeu um telefonema da minha tia informando que minha mãe estava grávida e que ele deveria assumir o que tinha feito. Então ele voltou a Belo Horizonte e reatou o relacionamento com ela", conta a Belly para a coluna.
"Eu nasci com uma diferença de dois meses de idade gestacional do tempo de relacionamento que eles tinham. Fui registrada pelo meu pai e recebida com muito carinho por toda família. Era um bebê esperado. Fui muito paparicada pelas minhas tias, meus tios. Até que, numa discussão, minha mãe revelou a toda a família que aquele bebê não tinha o sangue deles. Eu não era filha do Ernane."
Poucos meses depois desse episódio, Belly foi entregue pela mãe aos cuidados da avó materna. "Minha mãe queria tentar 'salvar' o casamento, que sempre foi muito conturbado. Brigas, ciúmes, traições, agressões. Tudo isso permeava essa relação já fragilizada pela mentira", expõe.
Logo depois, Márcia, a mãe de Belly, engravidou novamente. "Então numa manhã, quando minha irmã, Danielle, tinha apenas 40 dias de vida, meu pai arrumou as malas e foi embora."
"Cresci ouvindo que ele tinha sido covarde ao abandonar a família. As referências sobre ele eram as piores, mas cresci procurando esse pai. Eu acreditava que, conhecendo-o, minha vida mudaria. Acreditava que as pessoas respeitariam mais as pessoas que têm pai. E eu o procurei todos os dias da minha vida. Procurava nos jornais, nos classificados, nas listas telefônicas... Era uma obstinação pela falta que ele me fazia. Mas enquanto eu o procurava, minha mãe debochava dessa minha obstinação. Ela sempre falava que eu não ia encontrá-lo e, caso eu o encontrasse, seria frustrante pra mim", recorda.
Já adulta, com o avanço da tecnologia e a popularização das redes sociais, Belly decidiu tentar novamente. "Voltei a procurá-lo. Pelo menos a minha irmã teria um pai. E eu o encontrei no extinto Orkut! Enviei uma mensagem que dizia o seguinte: 'Olá Ernane, eu sou a Belly, filha da Márcia'. Ele visualizou e me bloqueou."
Anos depois, a estudante de psicologia tentou novamente um contato com o pai. Dessa vez, pelo Facebook. "Após o envio da mensagem, tomei mais um block dele. Me senti tão mal! Senti uma revolta! Por que esse homem não queria contato comigo? Eu já estava uma mulher feita, casada, com filhos. Não dependia financeiramente de ninguém. Então enviei o link do perfil dele pra minha irmã com a seguinte mensagem: 'achei seu pai, bom proveito'. Depois disso, eu nunca mais procurei nem meu pai do registro, nem o meu pai biológico. Foram anos de tristeza por ter sido enganada pela minha mãe, rejeitada duas vezes pelo pai que me registrou e com pouquíssimas informações de um pai biológico que eu jamais encontrarei."
Há três anos, nova aproximação
Só em 2017 a história de Belly ganha um novo contorno: a irmã, Danielle, começa a se aproximar do pai e de sua família paterna. Na época, tios e primos procuraram estreitar laços por um motivo especial: era aniversário do patriarca, o pai de Ernane, que faria 80 anos. Belly manteve-se afastada por temer uma nova rejeição. Até que, há menos de duas semanas, tudo mudou.
"Dias atrás, num domingo, minha irmã veio me visitar e me pediu para levá-la na casa das suas tias. Fui cheia de reservas. Mas conheci tias, tios e primas, e todos me receberam de braços abertos, com muito carinho. Quando o Ernane chegou, estava toda a família reunida. Dei um abraço nele e senti um engasgo, uma vontade de chorar! Estava em frente à pessoa que eu procurei por tanto tempo! Ele era do jeito que eu procurava", conta.
"Então, ele me abraçou um pouco sem graça. E eu não sabia como chamá-lo. Até que a família toda começou a me dar uma posição, que até então eu não tinha: minhas tias me chamaram de sobrinha; minhas primas, de prima; e meu pai de filha. Foi natural, espontâneo."
Belly conta que, no dia do tão desejado encontro, ela e o pai conversaram por horas a fio.
Consegui compreender muitas coisas. Eu fiz parte da estatística dos 5,5 milhões de brasileiros que não têm pai. Não vou dizer que foi fácil, porque não foi, mas sobrevivi apesar das sequelas de viver sem o afeto paterno. Hoje, com meus 34 anos de idade, digo que quando um pai abandona um filho, ele também abandona a oportunidade de ser pai.
"Ele perdeu a oportunidade de me ter como filha, de construir laços afetuosos comigo, com minha irmã. Não caberia nenhum julgamento da minha parte diante de tantas perdas, porque eu compreendi que doeu em mim, mas doeu nele também. Mantemos contato desde então. Conversamos pelo Whatsapp e Facebook. Ele tem postado nossas fotos no Facebook e me manda mensagem todos os dias", comemora.
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