Treinei a vida toda para pandemia, diz jovem que vive com fibrose cística
Fenômeno no TikTok, onde tem mais de 1,5 milhão de seguidores, a curitibana Luana Reinert, 20, que produz vídeos divertidos e informativos com trejeitos de personagens da Disney, ainda se surpreende com o sucesso que faz nas redes.
"Não foi planejado. Sempre tive muita vergonha do fato de ter fibrose cística (FC) e passei minha vida toda escondendo isso até de pessoas próximas. Quando um amigo meu com FC infelizmente morreu por falta de informação e inspiração, decidi que ia começar a tentar ajudar pessoas", conta.
"Meus pais iam à escola explicar a doença"
Fibrose cística é uma doença hereditária: o gene é transferido pelo pai ou pela mãe - e não há nenhuma outra forma de transmissão entre indivíduos. Ela compromete o funcionamento das glândulas exócrinas, que são as que produzem muco, suor e sucos digestivos, e faz com que esses fluidos se tornem mais espessos. Os sintomas variam e podem incluir tosse, infecções pulmonares reincidentes, dificuldade para ganho de peso e estatura, e cansaço excessivo.
De acordo com Grupo Brasileiro de Estudos Sobre a Fibrose Cística (GBEFC), 70 mil pessoas convivem com a doença em todo o mundo. No Brasil, seriam 3.000 pacientes, mas é possível que haja muito mais sem diagnóstico e tratamento adequados.
Apesar das limitações impostas pela fibrose cística, Luana, que é filha única, lembra que teve uma infância razoavelmente comum. "Meus pais sempre iam às escolas explicar sobre a FC para os professores e diretores, já que eu me ausentava muito, tinha que tomar remédios e precisava de alguns cuidados especiais."
Adolescência e a fase da não aceitação
A criadora de conteúdo diz ter vivido momentos complicados na adolescência, principalmente por ter enfrentado uma fase de não aceitação da doença - e agravado seus sintomas.
"Parei de tomar remédios na frente das pessoas porque queria ser 'normal', então minha saúde se deteriorou muito nesse período. Eu brinco que eu mesma reproduzia o capacitismo (preconceito contra pessoas com deficiência) para mim, e sinto que, se tivesse uma representatividade melhor, não teria passado por metade do que passei. Hoje temos o filme 'A Cinco Passos de Você', que quebrou o tabu da oxigenoterapia, mas antes dele e de 'A Culpa é das Estrelas', quem usava um cateter nasal era um ET."
A máscara já fazia parte da vida dela
Quando teve que ser internada pela primeira vez, aos 17 anos, Luana precisou ser intubada e ficou 9 dias em coma. Sua capacidade pulmonar saiu de 70% para 28%. Há um ano ela precisa usar a sonda nasal, que lhe fornece oxigênio, em tempo integral, ou seja, durante as 24 horas do dia.
Enquanto "A Culpa é das Estrelas" traz a história de dois adolescentes que se conhecem em um grupo de apoio para pacientes com câncer, "A Cinco Passos de Você", é sobre a paixão que marca a vida de dois pacientes com fibrose cística e que precisam manter 1,5 metro de distância entre si - uma necessidade real.
"Devemos evitar contato com outras pessoas com fibrose cística e com pessoas doentes. Durante a minha vida inteira usei máscara e álcool em gel quando frequentava locais fechados ou em hospitais, clínicas etc. Se minha imunidade estava mais frágil, já usava máscara até para ir para escola", explica Luana.
Desde o início da quarentena, ela e a família têm permanecido em isolamento total. "Fui treinada a vida inteira para essa situação, então até agora estou me saindo bem", brinca, espirituosa.
Sucesso nas redes e amor no Tinder
O bom humor de Luana, que faz tanto sucesso nas redes, conquistou também o namorado, João Victor, de 22 anos. "Nos conhecemos no Tinder, em julho de 2018, mas morávamos longe (João é de Criciúma, a 500 quilômetros de Curitiba). Nos encontramos em dezembro daquele ano e passamos o réveillon juntos. Depois tive que ficar internada em Curitiba, e então ele saiu de Criciúma pra ficar no hospital comigo. Aí ele se mudou pra perto, e depois veio morar aqui em casa, sempre me apoiando e me cuidando. Pra mim, essa foi a maior prova de que eu estive errada a vida toda, porque sempre acreditei que nunca acharia alguém, ou que alguém me aceitaria 'assim'", revela.
Bissexual, Luana conta que falar abertamente sobre isso foi um desafio. "Nunca foi fácil. Não me senti acolhida nem mesmo na comunidade LGBTQI+. Quando confidenciei a algumas amigas da comunidade que sentia que era bi, elas falavam pra mim 'mas nunca beijou uma menina, não sabe então' e coisas do tipo.
À espera de dois pulmões
Luana está na fila para o transplante de órgãos há quase um ano, à espera de dois pulmões. A indicação à fila acontece quando os pacientes atingem apenas 30% da capacidade pulmonar.
"Meu pulmão já está totalmente debilitado. Somente o Trikafta (medicamento ainda não autorizado no Brasil) ou o transplante podem me salvar. Estar na fila é assustador, e ao mesmo tempo enche o coração de esperança de um dia voltar a respirar normalmente e dar continuidade aos meus sonhos."
Terminar a faculdade de medicina veterinária, viajar, casar e criar um abrigo de animais onde possa também oferecer castrações a baixo custo são alguns dos sonhos de Luana.
No Brasil, mais de 45 mil pessoas estão na fila por um transplante. É possível ser um doador vivo e doar um dos rins, parte do fígado, parte da medula óssea ou parte do pulmão. Já um doador falecido, que sofre morte encefálica, pode doar diversos órgãos e tecidos.
Um doador pode salvar até oito vidas. Para ser um potencial doador é preciso, principalmente, manifestar esse desejo à família. Se no momento do procedimento a família não autorizar a doação, ela não é realizada.
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