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REPORTAGEM

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Escritora faz releitura de "Sítio" com lésbicas idosas como protagonistas

"Precisamos criar novas narrativas e deixar pra lá o que não nos representa", diz autora - Arquivo pessoal
"Precisamos criar novas narrativas e deixar pra lá o que não nos representa", diz autora Imagem: Arquivo pessoal

Colunista de Universa

17/02/2021 04h00

"Uma lésbica preta foi a primeira a fazer uma releitura do 'Sítio do Pica Pau Amarelo' com lésbicas pretinhas idosas como protagonistas", celebra a escritora Lívia Ferreira, 27, autora de "Carnaval Amarelo". "Releitura de um universo nada confortável para nós, pessoas negras, fora dos padrões e lésbicas, 'Carnaval Amarelo' é um grito de que a história começará a mudar a partir de agora", afirma a autora, que é mineira de Divinópolis.

Na história, publicada pela Editora Viés, Margarida entrega um presente à filha, Anastásia, de 11 anos, e lhe conta uma lenda: "A boneca Emília acordará de 50 em 50 anos com a seguinte condição: deve ser um dia de Carnaval. E ela poderá continuar viva se encontrar o amor verdadeiro". Então, no aniversário de 61 anos de Anastásia, algo inesperado acontece, propõe a sinopse.

A obra é uma resposta ao "Sítio do Pica Pau Amarelo", um clássico da literatura infanto-juvenil de 23 volumes escritos entre 1920 e 1947, e que contém trechos hoje considerados racistas.

Gatilhos na obra de Monteiro Lobato

"Eu fiz pesquisas e recebi gatilhos com as descrições da Tia Nastácia, por exemplo. Na minha opinião pessoal, como mulher negra, fico extremamente triste que a essência do 'Sítio' tenha raízes racistas. Lembro de assistir na infância e não perceber", aponta Lívia.

"Em uma opinião profissional, a obra jamais poderia ter sido veiculada em tantos lugares, mas me conforta que existam autores mais responsáveis e outros agentes para evitar que esse tipo de coisa aconteça, como leitores sensíveis, profissionais que pertencem a minorias e leem os originais para detectar preconceitos e representações caricatas. Vendo o contexto histórico da obra, a gente entende muita coisa. O país tinha um projeto eugenista e muitos foram os apoiadores dessa ideia."

Livro Carnaval Amarelo - Divulgação - Divulgação
Livro "Carnaval Amarelo"
Imagem: Divulgação

Prolífica, a autora lançou seis obras nos últimos dois anos, inclusive - e principalmente - no pandêmico 2020. 'No Olhar do Invisível', '(Im)possíveis: o que não te disseram sobre o tempo!', 'Visíveis', 'Colisão de Galáxias' e 'A estrada de uma caminhão'.

"O que me motivou foi a vontade de dizer coisas que não conseguia verbalizar. A escrita acabou sendo refúgio. Quando a pandemia começou, eu estava publicando os últimos capítulos do 'No Olhar do Invisível', e rolou um bloqueio criativo enorme pelo medo do que viria pela frente e também porque perdi o emprego pela situação do país. De lá pra cá, foram muitos altos e baixos em relação ao processo criativo, mas a gente vai aprendendo técnicas pra espantar esse fantasma", diz, rindo.

Perda de emprego da pandemia deu origem à publicação

Formada em marketing e estudante de letras, no início da quarentena Lívia trabalhava como analista de suporte técnico. Naquele momento tão instável, a perda do emprego fez com que ela se dedicasse integralmente à carreira de escritora e expandisse seus canais de comunicação, especialmente suas redes sociais. O resultado foi surpreendente: foram mais de 70 mil leituras em páginas do Kindle e Wattpad e vendeu mais de 5.000 eBooks.

"Precisei transformar minhas redes em algo profissional e me impressiona a quantidade de gente que vem chegando e embarcando nas minhas ideias de livros clichês", comemora.

No Twitter e no Instagram, onde é a @afrocaminhão, Lívia debate pautas raciais e LGBTQIA+, e é seguida por mais de 12 mil pessoas. Foi justamente seu posicionamento diário nas redes, em tweets e lives, que chamou a atenção de duas editoras, a Viés, que publica a versão física de 'Carnaval Amarelo' e a Editora Se Liga, que imprime em maio um novo trabalho da autora.