Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
"Ela me pediu leite, eu só tinha café": afeto não livra de transa meia-boca
Antes de opinar sobre o texto do escritor Marcos Bulhões que viralizou comparando sexo a leite e afeto a café, preciso falar sobre liberdade sexual e contar brevemente a minha história.
A minha primeira transa aconteceu aos 16 com um namorado que era bem mais velho e fazia o tipo romântico, que tocava violão para mim no motel.
Entre as questões que tiravam meu sono na época, estava o sentimento de inadequação. Só muito tempo depois entendi que a causa era a heterossexualidade compulsória, que é, basicamente, o reforço constante da ideia de que apenas relações heteronormativas são válidas. E eu já sentia atração por mulheres, então tinha certeza de que heterossexual eu não era. Eu poderia ser bi? Me fiz essa pergunta inúmeras vezes.
Depois tive outros namorados, nunca achei o sexo com homens ruim. Mas entre não achar o sexo ruim e achá-lo incrível (o que aconteceu com mulheres) foi uma longa jornada. Levei anos para me aceitar. E me aceitar significava entender que não tinha nada errado comigo.
Entrelinhas do discurso falocêntrico: sexo oral não é só preliminar
"Sexo oral não é sexo", por exemplo, é uma dessas falácias que ferram com a nossa cabeça e nos levam a acreditar que sexo "de verdade" só acontece envolvendo um pênis e uma vagina, invisibilizando uma extensa gama de possibilidades.
Comprar a ideia de que sexo oral é só uma preliminarzinha é um dos maiores erros que a gente pode cometer. Chupando minas ou caras. Chupando. Sugando. Mamando.
"Ela queria leite. Na boca, na cara, no seio. Mas eu só tinha o café"
E é aí, aliás, que está a clara referência do título do texto que viralizou. "Ela queria leite. Na boca, na cara, no seio. Mas eu só tinha o café", escreveu o autor, que tem 1 milhão e 400 mil seguidores no Instagram.
Em uma outra publicação, em vídeo, ele diz: "O orgasmo de uma mulher não começa na hora H, começa no momento que você passa a priorizá-la. Começa quando você manda aquele bom dia sincero".
Aqui, meu objetivo não é fazer uma crítica direta a ele, mas a esse raciocínio obtuso de que a premissa do orgasmo é uma migalha de atenção. Num relacionamento, um "bom dia sincero" é o mínimo. E uma mulher sequer precisa receber um "bom dia" para ter um orgasmo — ela pode ter sozinha, se tocando.
Estar em uma relação sólida ou repleta "de café" não livra ninguém de transas meia-boca. O orgasmo não está atrelado ao amor, mas a estímulos físicos e mentais. E quanto mais estímulos, melhor.
Para o sexólogo espanhol Manuel Lucas Matheu, uma autoridade mundial no assunto, "o verdadeiro órgão sexual dos seres humanos é a pele". Também é dele a conclusão, após um estudo com 66 culturas diferentes, de que as sociedades mais pacíficas são aquelas onde a moralidade sexual é mais flexível.
Definitivamente, não há nenhum problema em pedir leite. Ou em querer café. Ou preferir cappuccino. Mas em acreditar em discursos limitantes disfarçados de pseudorromantismo. O poder de escolha sobre o que queremos — e como queremos — é nosso.
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