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Como identificar abusos sexuais contra crianças e o que fazer
"Galera, eu entendo a motivação, mas não postem o vídeo nos comentários de postagens que fiz. Essas imagens são fortes e me levam pra um lugar muito escuro. Cuidem de suas crianças, dialoguem sobre limites, sobre carinho e sobre abuso", pede a ex- nadadora Joanna Maranhão, 34, em sua conta no Twitter.
Uma das maiores medalhistas do esporte, ela revelou, aos 20 anos, ter sido vítima de abusos sexuais cometidos por um ex-treinador aos 9.
A youtuber Evelyn Regly, que tem mais de 4,5 milhões de inscritos em seu canal, também foi vítima de abuso sexual na infância, dos 6 aos 9 anos. "Era irmão de criação da minha mãe, uma pessoa extremamente 'confiável', do nosso convívio... Ninguém desconfiou dos abusos até o primeiro contar. Todas as vítimas, crianças inocentes."
Assim como Joanna e milhares de outras mulheres, Evelyn usou as redes sociais para manifestar indignação pelo conteúdo de um vídeo que viralizou nesta segunda (26): "Não, você não está vendo coisa! Você está vendo um homem que nitidamente abraça a criança por trás, leva a mão em seu seio, ela visivelmente tira e ele sai disfarçando. Se não teve nada demais, por que os stories foram apagados? Investiguem esse homem já!"
No domingo (25), enquanto se divertia com amigos e familiares, o cantor Wesley Safadão publicou alguns momentos em seu Instagram. As cenas de um homem abraçando duas crianças por trás e, na sequência, ajeitando a camiseta chocaram internautas e serviram de gatilhos de memória em vítimas de abusos sexuais.
Pouco tempo depois das postagens, Safadão deletou os stories em que essas cenas apareciam e publicou outros, ignorando o fato. O cantor tentou evitar a repercussão negativa até sucumbir, horas mais tarde, à pressão por uma resposta. Ele então exibiu diversos vídeos defendendo e exaltando o amigo e pastor evangélico André Vitor, que protagoniza a cena com a menina. O pastor negou as acusações.
"Você nunca vai desconfiar que um abusador é um abusador"
A advogada Fayda Belo, especialista em crimes de gênero, é enfática: "Primeiro vamos lembrar que o corpo da criança, da menina, da mulher, não é público. Segundo, abrace por trás sua namorada, sua esposa. Não podemos normalizar, nem minimizar condutas como essa porque segundo o entendimento pacífico do STJ (Superior Tribunal de Justiça), passar a mão, ainda que por cima da roupa, em menores de 14 anos, poderá se configurar 'estupro de vulnerável', com pena de até 15 anos de reclusão. 90% dos abusadores são pessoas da família ou muito próximos a ela. O que significa? Que você nunca vai desconfiar que um abusador é um abusador".
Dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelam que, em 2019, o Brasil registrou 181 estupros por dia (1 a cada 8 minutos). Em 58% dos casos, as vítimas tinham até 13 anos.
A delegada Milena Sapienza, que atua em uma Delegacia de Defesa da Mulher de São Paulo, acredita que esses números sejam ainda mais alarmantes.
"São muito mais casos do que a gente imagina. É assustador saber que as denúncias são poucas perto da quantidade de casos que existem. E por que tantos casos não são denunciados? Porque as crianças têm vergonha, têm medo, e muitas vezes não entendem que foram vítimas de abuso. Ou às vezes contam para um adulto que não acredita, por se tratar de algum familiar ou amigo querido, e não toma nenhuma atitude."
Milena explica que a maioria dos abusos sexuais não acontecem como uma conjunção carnal, um ato sexual. "Muitas vezes é uma passada de mão, um beijo, um ato que não deixa vestígios, que num laudo pericial não tem comprovação de que aquilo existiu."
Sinais de abuso
Para identificar possíveis sinais de abuso sexual em crianças e adolescentes, a delegada sugere atenção a mudanças marcantes de comportamento.
"De uma forma repentina a criança pode ficar mais retraída, quieta, reprimida. Em casos mais graves, a gente vê crianças e adolescentes que tentam até o suicídio. Em outros casos, a criança pode apresentar um comportamento mais sexualizado e fazer coisas que não são compatíveis com a idade dela. Houve um em que a criança começou a introduzir lápis de cor na vagina e mostrar paras amigas. Coisas de cunho sexual que espantaram as professoras. E aí nós descobrimos que ela estava sofrendo abuso sexual."
De acordo com a delegada, crianças que evitam a presença de uma pessoa específica ou que, ao contrário, querem ficar muito tempo com um determinado adulto também demandam atenção. "Se quando um conhecido, um tio, chega e a criança se esconde, não quer que ele a veja, isso deve ligar o sinal de alerta. O contrário também: se a criança quer ficar muito tempo com um adulto sozinha, num quarto, por horas, é preciso se preocupar. Muitas vezes o adulto envolve a criança, fala que é namorado, fala que é segredo e pede pra criança não contar. É preciso sempre supervisionar para ter certeza de que há uma relação saudável entre o adulto e a criança, só de brincadeiras mesmo, sem cunho sexual."
Medidas de proteção
Entre as principais medidas de proteção contra abusos sexuais, Milena elenca três: "falar para a criança quais são as regiões íntimas, onde ninguém deve encostar; explicar que não podem existir segredos entre a criança e a mãe ou o pai e pedir para que ela conte caso qualquer adulto proponha um segredo; e, por fim, quando houver dúvida sobre a veracidade do que a criança está contando - porque crianças fantasiam muito - é importante buscar ajuda profissional e levar a um psicólogo ou ao Conselho Tutelar, que também tem experiência nesses casos".
Como denunciar
Qualquer pessoa que suspeite de abusos contra crianças e adolescentes pode — e deve — denunciar. De forma anônima, através do Disque 100 e do Disque 180, ou registrando um boletim de ocorrência na delegacia.
"As denúncias são importantes para que o Estado tenha ciência e a polícia judiciária possa adotar as medidas cabíveis. O delegado decide o que deve ser apurado naquele caso específico e o juíz concede ou não os mandados pedidos pelo delegado. Em alguns casos, o delegado pode decidir que deveria pegar mídias do possível abusador, pra ver se ele tem alguma coisa guardada na memória do celular ou do computador. Dá pra recuperar arquivos apagados. Às vezes a gente até se surpreende e a investigação chega onde ninguém imaginava", salienta a delegada.
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