Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
'Sempre fui autista e nunca soube', diz dona do perfil Atipicamente
É no Instagram, onde é seguida por quase dez mil pessoas, que a criadora de conteúdo Julyana Maia, de 24 anos, se sente mais confortável para contar algumas experiências pessoais e falar sobre autismo e sexualidade. Carioca, ela também tem contas no TikTok, Kwai, e um canal no YouTube.
Foi a partir das redes, aliás, através do trabalho de outros influenciadores, que ela começou a entender o autismo e decidiu buscar ajuda. O diagnóstico, tardio, aconteceu aos 22 anos, e mudou completamente a sua vida - para melhor.
"O autismo sempre esteve ali, só que a gente não conseguia nomear isso. Desde a infância, meus pais e minha irmã notaram que eu era muito diferente dos outros, a ponto de na escola eu não querer proximidade com ninguém, não falar com ninguém, e só dar 'bom dia' para as pessoas gritando, porque eu não sabia muito bem as regras sociais. E eu nunca olhava nos olhos."
Julyana conta que a irmã, que era professora (e faleceu por covid), tinha muitos alunos autistas e identificava nela algumas similaridades. Além disso, foi assistindo à novela "Malhação", que há cinco anos trazia a história de Benê, uma adolescente com TEA, que a criadora de conteúdo passou a acreditar na possibilidade de ser autista. Antes, enfrentou um longo processo de negação.
"O masking desencadeou ansiedade e depressão em mim"
"Se hoje em dia é difícil as pessoas terem o diagnóstico de autismo, imagina há 20 anos! Era muito pior. Conforme fui crescendo e ficando adolescente, comecei a 'mascarar' meu autismo. Isso, o masking, é um processo muito comum em mulheres autistas. Passei a evitar minhas estereotipias, que são esses movimentos que a gente faz pra se regular; aprendi a ficar mais tempo olhando nos olhos das pessoas; aprendi a me comunicar melhor, ter um relacionamento melhor com os outros... Para algumas pessoas parece que é bom, parece que é algo positivo, mas na realidade isso desencadeou ansiedade e depressão em mim."
1% da população mundial tem autismo
O Centers of Diseases Control and Prevention, órgão ligado ao governo dos Estados Unidos, estima que 1% da população mundial seja autista. No Brasil, que possui 212 milhões de habitantes, seriam 2,1 milhões de pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista).
"O diagnóstico me fez perceber que tava tudo bem ser daquele jeito. Eu não era esquisita, eu não era burra, eu não era antissocial e milhões de coisas horrorosas que sempre direcionaram pra mim. Eu sempre fui autista e nunca soube disso." Hoje Jú encara seu autismo como uma deficiência, que faz parte diversidade humana e não é um problema. Mas reconhece o preconceito que viveu ao longo da vida. "O tempo todo ser chamado de burro, de inferior, faz com que você comece a achar que é insuficiente. Eu sofria muito capacitismo porque apesar da minha deficiência ser invisível, ela não é imperceptível".
Juliana conta que tem discalculia, que é a dificuldade de fazer cálculos matemáticos, e que também não consegue interpretar ironias e metáforas. Ambas, características comuns do autismo. Além disso, ela explica que algumas atividades que podem ser consideradas interessantes por pessoas neurotípicas, para ela e outras pessoas atípicas, não o são.
"Não tinha interesse de me relacionar e ter contato com as pessoas"
"Várias coisas que são corriqueiras pra muitas pessoas, pra mim ou não são interessantes, ou eu simplesmente não consigo fazer. Sair todo final de semana pra um bar, por exemplo. Pra mim isso é impossível". Jú conta que desde a adolescência se percebia diferente dos colegas. "Na escola, todo mundo tinha o seu grupinho de amigos e tinha muito interesse em sexo, drogas, festas, aquela coisa toda que é normal da adolescência. Eu nunca quis ser assim. Eu sempre fui aquela criança que com 10, 12 anos, assistia ao jornal".
A sexualidade, ela diz, também a colocava em um lugar diferente. "Primeiro porque eu sou sapatão, né?! Mas naquela época eu não tinha a menor noção disso. Mas era nítido que eu era bem diferente dos outros nesse âmbito de me relacionar, de querer ter contato com as pessoas."
Julyana, que é bióloga e mestranda em neurociências pela UERJ, se entendeu lésbica aos 20 anos, pouco antes do diagnóstico de autismo.
"O engraçado é que me descobri sapatão aos 20, mas só aos 22 descobri que era autista. Uma coisa meio que desencadeou a outra. Demorei um tempo até me entender por que a questão do autismo era tão gritante, de eu me sentir diferente, inadequada, me sentir um alien em vista dos outros, que eu demorei até compreender outras questões da minha vida. Eu só fui me entender como lésbica aos 20 anos, mas levei esse tempo todo porque antes eu não me preocupava com o outro, eu me preocupava em entender o que acontecia comigo e porque eu era tão diferente. Até que em determinado momento desencanei disso e resolvi viver a minha vida."
Níveis de autismo: "Ser nível 1 significa que eu não preciso de tanto suporte, mas tenho várias limitações"
Há três níveis de autismo: leve, moderado e severo. Julyana é nível 1. Isso significa, por exemplo, que ela não precisa de tanto suporte quanto autistas de nível 2 (moderado), e nível 3 (severo), mas que tem limitações.
"Não preciso fazer terapia ocupacional e fonoaudiologia. O meu único suporte é psicoterapia e a minha rede de apoio, que no caso é minha família, mas mesmo assim eu tenho várias limitações por causa do autismo. Limitações de cunho emocional, e às vezes até cognitiva"
Compartilhar conteúdo nas redes sociais, para ela, é prestar serviço para outras autistas. "Foi justamente porque outras pessoas que falam sobre autismo me ajudaram a entender quem eu sou. Se eu sou quem eu sou hoje, que me aceito, me amo, tenho orgulho, finalmente, de quem eu sou, foi por causa dessas pessoas também", declara.
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