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Após burnout, doutora em biotecnologia vira hit nas redes como escritora
Quando era criança e morava numa casa pequena de chão vermelho em Anápolis, no interior de Goiás, Ana decidiu que seria veterinária. Na época, aos 5 anos de idade, ela via o vizinho disparar tiros de chumbinho contra rolinhas que, feridas, buscavam refúgio em seu quintal.
As rolinhas, que são pássaros que parecem pombas em miniatura, foram suas primeiras "pacientes". Ana acreditava que quando crescesse e estudasse, poderia salvá-las.
"Minha mãe, que é costureira, me criou sozinha. Lembro de dormir com o barulhinho da máquina dela. Quando me levou para a escola pela primeira vez, ela falou assim: 'Minha filha, hoje começa o seu caminho pra você virar doutora em alguma coisa na tua vida, porque tua mãe não conseguiu e tu vai conseguir'. Então ela pagava a melhor escola de Anápolis, e não sobrava dinheiro para mais nada. Por isso a gente morava com os meus avós nessa época. E ela conseguiu", conta a médica veterinária e doutora em biotecnologia Ana Suarez, que hoje tem 47 anos.
Ana fez faculdade no Brasil, estágio na França e doutorado na Alemanha. Este último, como bolsista da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), do Ministério da Educação. A contrapartida exigida, entretanto, é a de que os bolsistas que estudam no exterior retornem ao Brasil para um período obrigatório de estadia.
O que Ana não imaginava é que, por ser extremamente qualificada, ao voltar para o Brasil não conseguiria emprego na sua área. Às pressas, ela teve de se reinventar. E colocou a mão na massa, literalmente. Passou a fazer pães em casa, como fazia quando morava na Alemanha, e começou a oferecê-los de porta em porta.
Fiz dois pães e ofereci na academia que gostava de ir antes de ir fazer o doutorado. Depois na manicure, onde costumava ir também antes, e fui num café de uma amiga. O que me chocou é que toda vez que eu tentava vender o 'Pão da Doutora' as pessoas se emocionavam e choravam, sabe? Porque pensavam: 'Poxa, com tanto estudo!.. Tanto desafio fazer um doutorado no exterior, aprender alemão... E agora vendendo pão, coitadinha'. Acho que era isso que as pessoas pensavam, mas na minha cabeça eu estava fazendo uma coisa que eu gosto, que é digna, e que era, com certeza, momentânea. E ali eu gerei muita energia positiva ao meu redor.
Os pães foram um sucesso. Ana começou a produção com um quilo de farinha de trigo e, ao final de um mês, já estava comprando 50. Dois meses depois do primeiro pãozinho vendido, várias clínicas a procuraram com boas propostas de emprego.
"Eu tive que parar de fazer o pão para voltar a trabalhar na minha área, mas foi muito legal. Em nenhum momento senti vergonha ou achei que estava me vitimizando. Foi uma experiência, um processo que hoje posso contar com orgulho. Se você tá com a faca e o queijo na mão e não pode fazer o que tá querendo agora, comece com alguma coisa, empreenda. Isso aqui na Europa é muito grande, no Brasil ainda se espera ter o emprego dos sonhos pra começar. Começa com o que você tem na mão na hora", aconselha.
Depois de alguns anos, ela, o marido, o médico brasileiro Rudah Brentano Assef, e a filha, Anita, que ainda era bebê, voltaram a viver na Alemanha. Esse recomeço, no entanto, trouxe uma consequência avassaladora à saúde de Ana.
'Continuava sorrindo, até que fui diagnosticada com burnout'
"Chegamos na Alemanha em fevereiro de 2010 com três malas, uma bebê, uma gatinha, e a minha mãe, que foi nos ajudar no começo. Recomeçar, praticamente do zero, gerou muito estresse e eu aguentei tudo na pele. Até que em 2013 entrei num processo bem pesado de depressão. Continuava sorrindo, ninguém notava, até que foi diagnosticado como burnout. Parei de trabalhar na minha área, de médica veterinária, e fiquei tomando antidepressivos e fazendo terapia."
Ela conta que, nesse processo, que durou cerca de cinco anos, fez cursos de comunicação, fitoterapia e coaching. "Eu queria achar alguma coisa que fizesse sentido na minha vida, porque nesse momento aí, do burnout, eu contestei o seguinte: a gente nasce, vai pra escola, cresce, casa, tem filho, chega ao auge da carreira, como eu cheguei, e aí tu trabalha, não vê tua família direito, não vê tua filha crescendo direito, não consegue cozinhar pro teu marido, aí tu espera aposentar e depois tu morre. E eu falei 'deve ter alguma coisa a mais aí", relembra.
E tinha, sim.
Ana escreveu e publicou, de maneira independente, seu primeiro livro, a biografia "Minha história escrita à mão" e o infantojuvenil "Liga da Identidade".
"Achei um propósito novo, que é escrever minhas histórias para inspirar as pessoas. E concomitantemente surgiu essa vontade de escrever também livros infantis, para as crianças saberem que elas podem ser tudo o que elas querem ser, e que elas não precisam chegar aos 45 anos pra contestar isso."
Morando em Lucerna, na Suíça, onde vive com a família desde 2018, a escritora é um sucesso nas redes. No Instagram, por exemplo, onde tem mais de 37 mil seguidores, seus vídeos atingem milhões de visualizações.
"Eu descobri que não precisava ter só um propósito na vida. Podemos ter vários", pontua ela, que além de escrever, dá mentoria de escrita e é CEO de uma editora no Brasil, a Flow (que significa fluxo, em inglês).
"De um propósito, vieram três: o de escrever, o de ensinar a escrever, e o de publicar. E isso foi a grande maravilha, porque eu posso dividir meu tempo, né? Tem hora em que eu sou a escritora, a mentora, a CEO da Flow, e mesmo assim eu posso fazer comida pro meu marido, posso cuidar da minha casa, que eu adoro, posso cuidar da minha filha, levá-la nos lugares, acompanhá-la no dever de casa... Acho que isso fortalece demais a gente. Uma das críticas que eu encontro, às vezes, dos haters, é: 'Ah, agora você vive na Suíça, tem vida boa, é rica...', mas ninguém sabe o processo que foi até chegar aqui."
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