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OPINIÃO

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De lutadora a chef: 'Chutei o balde aos 40 e me reposicionei no mercado'

Daniela Migliorini dá aulas de panificação natural: "Com água e farinha transformo pessoas" - Divulgação
Daniela Migliorini dá aulas de panificação natural: "Com água e farinha transformo pessoas" Imagem: Divulgação

Colunista de Universa

31/10/2022 04h00

"Chutei o balde aos 40 anos. Deixei um trabalho de oito anos de dedicação e decidi seguir o meu coração. Ouvi que não teria mais vaga apra mim. Quem contrataria uma 'mulher fora do mercado' com quatro filhos? Eu. Eu me contratei e me tornei o meu mercado. E inspirei outras mulheres a chutarem o balde também." O desabafo emocionado é da chef Daniela Migliorini, de 44 anos.

Paulista de Campinas e mãe de quatro filhos, Daniela trabalhava como cabeleireira com o marido, Diogo, no salão que tinham juntos. Após o nascimento da caçula, ela decidiu se dedicar exclusivamente à criação dos pequenos. Na época, o primogênito tinha cinco anos; a mais nova, dias.

"Parei a minha profissão e passei a cuidar das crianças. Quando quis voltar, estava com a minha quarta filha pequenininha. Estava com 30kg acima do meu peso, e meu marido foi pra Portugal, pra passar um mês lá para trabalhar", conta.

O recomeço

Durante o período de ausência do esposo, Daniela começou a frequentar uma academia de artes marciais e praticar boxe tailandês, o muay thai. De repente, o que era esporte virou profissão.

"Me tornei atleta de muay thai e fui campeã paulista. Foi meu primeiro reposicionamento. Montei uma academia com uma sócia, uma professora de luta, e foram oito anos assim. Nesse trabalho, me desenvolvi. Era o que eu sabia fazer. Tinha uma equipe de mais de 30 mulheres, e elas levavam os filhos, iam grávidas, iam pós-parto, iam desempregadas, iam obesas. E naquele tatame aquelas mulheres se transformaram", relembra.

Com o passar dos anos, conciliar a rotina de treinos e viagens para competições com os cuidados com as crianças foi ficando cada vez mais difícil. Um dos filhos de Daniela, Arthur, é autista; e a caçulinha, Isa, foi diagnosticada com surdez severa.

"Do abdome da mãe de quatro para a mesa posta da mãe de quatro"

"Em 2017, cheguei da Tailândia, de uma viagem de aperfeiçoamento, e falei: 'Não quero mais! Não quero mais deixar meus filhos para trás. Não quero chegar de viagem já lutando. Quero outra coisa'. Até ali eu já tinha transformado meu corpo, me reconstruí. E, na época, já fazia pães em casa, com as crianças. A partir de então, nas redes sociais, parei de publicar 'o abdome da mãe de quatro' para postar 'a mesa posta da mãe de quatro'."

A receita do pão que fazia sucesso em casa o marido tinha trazido anos atrás, da viagem a Portugal. O alimento, que Daniela produzia todos os dias para a família, começou a chamar atenção nas redes e, a cada publicação, surgiam mais pessoas interessadas em aprender a fazer.

"Não queria abrir uma padaria, não queria trabalhar com isso. Queria disponibilidade para poder cuidar dos meus filhos. Mas ensinar tem tudo a ver comigo. Ensino quatro crianças, um autista a se socializar, uma surda a falar, a ouvir. Ensinar tem tudo a ver comigo."

Após ponderar a possibilidade, Daniela decidiu dar aulas de panificação natural em casa. Na primeira turma, recebeu oito alunos. Na segunda, dez. E a demanda começou a crescer exponencialmente.

"Com água e farinha transformo pessoas"

"Recebi mulheres que dependiam do dinheiro do marido. Que eram sozinhas. Que estavam desempregadas. Que estavam sem rumo porque perderam o emprego na pandemia. E do mesmo jeito que eu transformei mulheres lá no tatame, hoje as transformo com a mão na massa. Com água e farinha transformo pessoas", celebra a chef.

Formada em gastronomia e especialista em panificação natural, ela é hoje uma das maiores sumidades no segmento. "Estou inspirando mulheres, e isso me deixa muito feliz."