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Dominadora financeira: 'Quero que corno vá à agência bancária de calcinha'
"Sempre falo que a dominação veio antes de tudo. Perdi a minha mãe muito cedo, estava com 14 anos, faltava uma semana para fazer 15. Desde então tive que liderar como filha, irmã mais velha e mãe. As responsabilidades acabaram me forçando a ser uma pessoa dominante. E junto com toda essa responsabilidade, como estamos falando de uma pessoa que é negra, periférica, mulher, você vê a resistência, a questão de estar lutando todos os dias pela vida."
Paulista de Itaquaquecetuba, cidade que fica a 50 km da capital São Paulo, Cláudia é direta e não glamoriza a origem de sua persona, Inara, uma dominatrix, dominadora profissional.
Na época da perda da mãe, a irmã mais nova de Cláudia tinha 12 anos, e os irmãos caçulas, gêmeos, 7. O pai, que vendia peixe na feira, passava o dia fora e não estava habituado a lidar com tarefas domésticas, nem com o cuidado com as crianças. Tudo sempre tinha sido relegado à esposa.
Aos 15, Cláudia cuidava sozinha da casa, dos irmãos, e sofria com a falta da mãe, que era seu refúgio. Mas como toda jovem sonhadora, acreditava que tempos melhores viriam.
A realidade, no entanto, foi cruel.
"Tinha 15 ou 16 anos e conheci uma pessoa. Ele já era mais velho, tinha uma vida financeira estável e me dava presentes, roupas, tudo o que uma adolescente nessa fase deseja. Era virgem. Um dia, estava com ele dentro do carro e ele me abusou. Forçou e houve a penetração. A partir daí, comecei a ver o mundo de outra forma, principalmente os homens."
Pouco tempo depois de sofrer o primeiro abuso, ainda traumatizada, lidou com uma tentativa de estupro. Dessa vez, de um familiar.
"Um parente tentou me molestar. Quando contei ao meu pai, ele deu um tapa na minha cara e falou que eu estava louca, que era coisa da minha cabeça. Levou anos para eu perdoar o meu pai por isso. Na época, me revoltei e entendi que precisava fazer algo, senão aquilo seria uma constante. Dos 16 pros 17 anos, saí de casa sem rumo", relembra.
"Nessa época conheci uma pessoa que morava na rua da minha casa, era uma travesti. Conversava muito com ela. Ela me contou o que era a vida noturna, e eu pedi que ela me levasse junto. Ela não me levou, mas eu a segui. Sempre fui muito curiosa. E foi assim que conheci o submundo. No dia que resolvi fazer alguma coisa [se prositutir], conheci uma pessoa. Foi a primeira pessoa que parou para mim, um francês."
Da periferia ao luxo nos Jardins
O cliente virou namorado e levou Cláudia para morar com ele num duplex luxuoso na região dos Jardins, área nobre da capital paulista.
"Era outro universo. Até então eu não sabia o que era uma churrascaria, uma sorveteria, nada disso. Ele me tirou de Itaquaquecetuba e me deu estudo. Hoje falo inglês porque ele pagou meu curso. Sou vitrinista por causa dele também. Me mostrou uma realidade que não seria possível de eu conhecer se não fosse assim", revela.
O que parecia um conto de fadas contemporâneo durou dois anos. Até o dia em que, sem querer, ela visualizou um arquivo altamente comprometedor no computador dele. Pelo silêncio dela, ele ofereceu R$ 40 mil. E terminou o relacionamento.
"Peguei a minha irmã e meus irmãos, aluguei uma casa e coloquei todo mundo para morar junto. Comprei um restaurante e virei a Dona Xepa, que é o meu nome como chef de cozinha. Até hoje sou conhecida como a Dona Xepa", diz.
A vida profissional de Cláudia começou a decolar, e a vida amorosa também parecia promissora.
"Depois de tudo isso, aos 20 anos, conheci uma pessoa e tentei viver uma relação normal. Quando você é fetichista até tenta, se adapta, mas não muda. E eu estava cansada do que estava acontecendo porque sabia que ele me traía, e aí cansei. Ele me humilhou muito. Quando saí de casa, fui para Belo Horizonte e nunca mais voltei."
Na capital mineira, a proposta de uma amiga de Cláudia, uma acompanhante de luxo, transformaria radicalmente sua vida —mais uma vez.
"Ela falou: 'Tenho um cliente que tem um fetiche diferente, só que não tem como eu atender, mas acho que você pode. Ele quer se imaginar treinador, você tem que estar de roupa de luta. E ele não quer nada com você, só quer imaginar te treinando'. Eu treinava muay thai, boxe, jiu-jitsu. Tinha roupa, luva de boxe, protetor de boca, tudo. E a partir daí comecei a atender fetiches, fantasias." Ali nascia a Inara, uma dominadora profissional.
"Quero que o corno vá à agência bancária de calcinha"
"Já entendia o que era o findom porque tive vários submissos, desde sempre. E aí comecei a trilhar o meu caminho, a conhecer, entender, ir a festas", diz Cláudia, referindo-se a um fetiche associado ao BDSM e à humilhação erótica onde um submisso envia "tributos", ou seja, dinheiro ou presentes a uma dominadora financeira seguindo as ordens dela.
"Cobro quatro dígitos da pessoa que tem uma sessão comigo porque posso fazer isso. Tenho nome, história, tudo o que alguém procura para viver o BDSM"
Para a dominadora profissional, a dominação financeira é uma válvula de escape para quem tem muito dinheiro.
"Todos os meus cornos têm uma vida financeira estável. É presidente de multinacional, é o diretor de tal lugar, é o cara que tem 35 imóveis. Um submisso é um cara que diariamente tem essa responsabilidade de liderar e ele quer sair, ele quer entender como funciona o outro lado, e perder o controle. Dinheiro representa poder. Não quero que o sub me faça um pix. Quero que ele vá até a agência, pegue um envelope e escreva 'eu sou um trouxa da Inara'. Que vá de calcinha, bata uma foto e me mande o comprovante", narra.
"Quero que todo mundo do banco veja o que ele está fazendo. Quero que ele seja humilhado. É um prazer recíproco. Assim como o findom, o BDSM tem outras formas de prazer não relacionadas ao coito, ao sexo. Desperta a libido", diz.
"Conheci de tudo até construir essa pessoa que sou hoje. E sempre falei: 'Preciso alcançar um lugar em que eu conte minha história e as pessoas respeitem o que aconteceu comigo. De fetichista, de acompanhante, de casada, dos abusos... As pessoas me respeitam por causa disso, porque sou uma sobrevivente. Essa é a verdade'."
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