Colaborou Juliana Martins, especial para o blog MULHERIAS
Dados da plataforma do movimento Mulheres Negras Decidem apontam: apesar de mulheres negras serem 27,8% da população brasileira, elas atualmente representam apenas 5% das vereadoras no país. Nessas eleições, porém, algo pode mudar. Pela primeira vez na história, uma onda negra feminina chegou às eleições para disputar vagas em câmaras de vereadores de milhares de cidades.
Em São Paulo, em campanhas coletivas ou individuais, elas se organizam para enfrentar a falta de representatividade e levar pautas específicas das periferias, como a necessidade de enfrentamento do racismo policial, a criação de uma lei de fomento aos cursinhos populares ou a efetivação das leis que garantem direitos às mulheres vítimas de violência. Na disputa entre as 55 vagas, pretendem mudar o cenário atual, que conta com apenas oito cadeiras ocupadas por mulheres, sendo que NENHUMA é negra.
A boa notícia é que este ano São Paulo tem muito mais opções de candidatas negras que na eleição anterior. Conheça as motivações de quatro delas e o que propõem.
A prefeitura precisa ter um compromisso histórico com a educação popular e com a cultura periférica"
Elaine Mineiro, 36 anos, da candidatura coletiva do Quilombo Periférico (PSOL)
"Essa candidatura é construção da minha vida inteira e de muitas outras mulheres negras que vieram antes de mim", conta a geógrafa, arte-educadora e articuladora cultural Elaine Mineiro. "Eu me preparei para esse momento com muito cuidado e entendo a política como uma conquista coletiva", completa.
Coordenadora de um núcleo de base da UNEafro Brasil, entidade premiada que promove cursinhos pré-vestibulares para estudantes negros e das quebradas, ela concorre ao cargo de vereadora numa chapa múltipla que inclui outros cinco candidatos, de diferentes quebradas e atuações políticas na cidade. Entre eles há representantes dos movimentos culturais das periferias, da população LGBTQ+, das religiões afrobrasileiras, das crianças e adultos em situação de rua, de articuladores da economia solidária e das lideranças das favelas.
Para Elaine, da chapa Quilombo Periférico, ocupar a Câmara dos Vereadores representa a chance que suas ancestrais não tiveram. Neta de quilombolas, sexta filha de uma empregada doméstica que adorava ler e sempre sonhou em estudar, Elaine perdeu o pai aos cinco anos de idade e viu a mãe, Maria Cecília, colocar todos os filhos na universidade. "Ela foi uma liderança comunitária nata, dava extremo valor à educação, era muito culta e articulada mesmo tendo estudado até a quinta série", explica a candidata, que mora na Cidade Tiradentes, no fundão da zona Leste de São Paulo, onde também participa da Comunidade do Jongo dos Guaianás e no grupo Samba das Pretas.
A candidata entende a implementação de uma Lei de Fomento de cursinhos preparatórios para universidades como um compromisso histórico necessário do Estado com a educação popular. "Uma medida assim é parte da luta antirracista que inclui, ainda, a efetiva implementação das leis que obrigam o ensino das culturas e histórias afro-brasileira e indígena e a ampliação das políticas culturais e a descentralização dos recursos públicos da Secretaria Municipal de Cultura na cidade", explica.
Minha luta é de muitas que constroem a política todos os dias. E não num único dia. Mas em 20, 30, 50 anos"
Claudia Rodrigues, 48 anos, da candidatura coletiva Bancada Feminista (PC do B)
"Vim de uma família de seis filhos e meu pai e minha mãe não tiveram oportunidade de estudo. Meu pai tinha até a quarta série e os quatro filhos mais velhos começaram a trabalhar muito cedo. Eu tinha oito quando virei doméstica, tive que parar de estudar e só voltei mais velha, quando passei a ter uma formação política", conta a candidata da plataforma coletiva "Bancada Feminista", do PC do B, o Partido Comunista do Brasil.
Formada em Educação Física, Claudia também foi recepcionista, secretária e atendente em posto de gasolina até ir para o setor esportivo. Hoje, atua na área de infraestrutura em empresas privadas de esporte e coordena núcleos feministas populares. Mãe de uma jovem de 24 anos e de um garoto de 11, lembra que se interessou por política quando, nos anos de 1980, viu na TV um programa do PC do B sobre a fome. "Falavam sobre quantas pessoas naquele momento estavam na miséria. Aquilo me tocou muito porque muitas vezes eu trabalhava só para colocar comida na mesa. Sei que muitas mulheres da periferia passam por isso.
As reuniões do partido a estimularam a voltar a estudar. Fez supletivo para terminar o Ensino Fundamental, depois concluiu e entrou na faculdade aos 30 anos. "Minha filha estava com 4 e segui na militância." Claudia se tornou presidente da entidade feminista União Brasileira de Mulheres (UBM), onde se dedica há décadas à luta por direitos de mulheres periféricas. Sua candidatura é coletiva e a chapa conta com outras três mulheres, encabeçadas pela candidata Carina Vitral, ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), no biênio 2015-2017.
"Me candidatei em nome da mulherada toda que luta todos os dias e constrói as políticas no cotidiano, na vida, não só na política institucional. Nossa luta não é de um único dia mas de 20, 30, 50 anos. São Paulo deve direcionar investimentos às regiões mais pobres e estimular a produção nos territórios. Periferia é potência, não carência."
Precisamos estar com o poder da caneta em todos os espaços e partidos"
Aline Torres, 35 anos, candidata a vereadora pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB-SP)
Feminista de Pirituba, bairro da periferia, Aline Torres é militante da área da cultura há 12 anos e conta que foi no PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), assumidamente de centro, que encontrou lugar de fala. "Quando participei de grupos mais esquerda, não tinham muitas pessoas negras", afirma. Depois de ocupar cargos na Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, do governo Geraldo Alckmin, agora concorre ao cargo de vereadora pelo MDB (Movimento Democrático Brasileiro), formado por diversas correntes dissidentes de outros partidos, entre elas os de direita.
"Após o ingresso no PSDB de correntes políticas que eu discordava, eu acabei migrando. Acho que o espaço político deve ser ocupado e devemos ter pessoas pretas e periféricas em todos os lugares e partidos. E não basta ocupar, é preciso ter estratégia", defende. Suas propostas giram em torno do apoio ao empreendedorismo e às políticas culturais.
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Para Aline, o racismo ficou ainda mais evidente ao longo da pandemia do coronavírus. "O racismo existe desde sempre. Eu mesma já entrei com processos criminais por isso, já passei por psicoterapia e sei que ocupar esse espaço da política institucional é enfrentar o racismo todos os dias." A candidata entende a política como um "jogo de xadrez que não é feito para nós, mas para pessoas brancas e ricas, os mesmos que estão no poder há muito tempo. Representatividade hoje é essencial", diz a candidata, formada em Relações Públicas, que se se considera "da linha do diálogo e da construção."
É fundamental ter uma moradia digna para, a partir desse direito, acessar outros, como a saúde, a educação e a cultura"
Carmen Silva, 60 anos, candidata pelo Partido dos Trabalhadores (PT)
A baiana Carmen Silva chegou a morar nas ruas e albergues do centro quando chegou em São Paulo, na década de 1990, em busca de uma vida melhor. Vítima de violência doméstica, havia deixado os filhos em Salvador em busca de emprego e casa para, depois, buscá-los para ficar com ela. "Mas descobri o que é não ter dinheiro para pagar o aluguel nem política pública para acolher os que estão vulneráveis. Por conta disso, também sei o quanto é fundamental ter uma moradia digna para, a partir desse direito, acessar outros, como a saúde, a educação e a cultura", diz a candidata a vereadora pelo Partido dos Trabalhadores.
Uma das principais dirigentes do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), Carmen participou dos mutirões de moradia e de ocupações. A mais conhecida é a do antigo Hotel Cambridge, que estava há décadas abandonado e com dívidas com a prefeitura que superavam o valor do imóvel. Na prática, mostrou para o governo que há saídas para a demanda por moradia na cidade. O hotel virou residência para mais de 100 famílias que financiaram a compra e a reforma do imóvel.
"Eu quero ser vereadora porque o legislativo precisa de vozes como a minha, precisa dessa representatividade em nome das demandas que a cidade tem", pontua a candidata. Além da necessidade de políticas públicas de moradia digna, Carmen cita a falta de creches, e "creches noturnas na cidade" e a urgente demanda por inclusão digital, principalmente nos bairros periféricos.
"Temos também que pensar nas mães e mulheres de pessoas encarceradas e incluir e capacitar mulheres egressas do sistema prisional", lembra Carmen. "Além disso, quero defender as cotas para negros, LGBTQ+ e indígenas para trabalho que pode ser feito dentro da administração publica. Temos que pensar numa cidade compacta e inclusiva para todos."
Em campanha, ela tem percorrido periferias de toda a cidade e conta que o centro, em si, é tem também grandes bolsões de miséria. "O Bixiga, a baixada do Glicério e o bairro de Campos Elíseos são quebradas no centro. São quilombos, onde a população pobre, e principalmente a população negra, vive em cortiços , co-habitações insalubres e moradias precárias. Muitos jovens precisam ser inseridos no mercado de trabalho. Há uma enorme desigualdade social a ser combatida".
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