Por que há apenas 18 casas de parto no país pelo SUS? Doulas explicam
*Com reportagem de Julia Guadagnucci, jornalista e doula, e Stefanni Mota, especial para o blog MULHERIAS
O Brasil realiza quase quatro vezes mais cesáreas do que os 15% considerados aceitáveis pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Por outro lado, faltam casas de parto normal no Sistema Único de Saúde (SUS). Em todo o território nacional, existem apenas 18 delas em funcionamento.
O dado é do Cadastro Nacional de Estabelecimentos da Saúde (Cnes) e também indica que, no estado de São Paulo, há somente duas casas de parto conveniadas com a prefeitura, ambas na capital; a de Sapopemba, na zona Leste, e a Casa Ângela - Centro de Parto Humanizado, na zona Sul.
Veja bem: só duas instituições públicas na maior metrópole do país oferecem assistência às chamadas grávidas de risco habitual (gestantes que não apresentam fatores de risco que possam interferir negativamente na gestação), parturientes (mulheres em trabalho de parto) e nascituros (bebês ainda em gestação). E vale lembrar que as casas de parto normal atuam sempre em parceria com uma maternidade de referência e são consideradas parte do Estratégia Saúde da Família que, promoveu a reorganização do SUS.
Instituídas legalmente no Brasil em 1999 (portaria nº 985), as casas de parto são um refúgio para mulheres que procuram parir com acolhimento sem abrir mão da segurança. Oficialmente chamadas de Centros de Parto Normal (CPN) peri-hospitalares, são unidades de saúde abertas 24 horas e que acompanham a gestante do pré-natal ao pós-nascimento. Também precisam estar distantes a no máximo 20 minutos de um hospital de referência e ter uma ambulância disponível o tempo todo para o caso de ser necessário o socorro médico.
Mas que esses dados significam? Por que há tão poucas casas de parto no Brasil? Uma conclusão não totalmente óbvia: esse descaso demonstra que a política pública brasileira para maternidade se coloca não apenas a favor de procedimentos invasivos como contra a autonomia da mulher.
"No nascimento por cesariana a mulher é uma parturiente passiva, há uma intervenção no processo fisiológico dela que se dá por conveniência médica ou hospitalar, dificilmente ocorre pensando no que é melhor para a mãe ou para o bebê", opina a doula Elis Teixeira, de 37 anos, que atende de maneira autônoma mulheres das periferias de São Paulo e trabalha num coletivo de doulas da Makota Terapia Ancestral.
Profissional que acompanha pais e mulheres grávidas antes, durante e até depois do nascimento do bebê, Elis explica que no parto normal e no natural a mulher é a dona do processo do nascimento de seu filho. "É ela a protagonista, quem faz o parto acontecer e pode exercer de forma grandiosa essa autonomia", pontua. Não é uma opinião isolada.
A busca pelo poder de decisão no processo do nascimento contempla milhares de mulheres que sonham em ter seus bebês sem horário marcado para cesárea em ambientes mais humanizados que os hospitais, mães ativistas que se posicionam contra situações alarmantes de violência obstetrícia, entre elas as cesáreas desnecessárias, e profissionais de saúde que questionam o atual modelo dos "negócios" das maternidades. Mesmo no SUS que, teoricamente, não deveria se atentar essas questões.
Segundo Juliana do Carmo, enfermeira obstétrica e presidenta da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras (Abenfo MG) a briga por mercado de trabalho entre médicos e enfermeiros inibe a instalação desses serviços. Isso por que não é necessário ter um médico nas casas de parto. Por serem destinadas a mulheres que no pré-natal demonstraram ser elegíveis ao parto normal ou natural, o nascimento pode ser realizado sob a supervisão de um profissional da Enfermagem, um assistente e uma doula.
"Há uma política pública estabelecida para a criação das casas de parto, mas quando olhamos para a gestão da saúde pública como um todo vemos que grande parte dos cargos responsáveis pela tomada de decisão são ocupados por médicos. E, daí, entendemos que não há o interesse em criar serviços de saúde onde esses profissionais não são essenciais"
Juliana do Carmo, enfermeira obstétrica, recém-eleita co-vereadora, em Belo Horizonte (MG), para o Mandato da Coletiva
Já para a doula Danie Sampaio, de 37 anos, contratada pela Casa Ângela e co-fundadora do Mãe na Roda, a primeira coletiva de mulheres mães, doulas, atuantes dentro do território periférico, ainda há grávidas com muito receio em parir fora do ambiente hospitalar. "A comunidade tem medo porque só conhece a experiência de parto hospitalar que promete agilizar o procedimento. Mas a imensa maioria de mulheres de baixo risco podem, sim, parir sem nenhum tipo de intervenção ou medicamento", pontua, reiterando que o toda casa de parto deve ter ambulância à disposição e hospital nas redondezas.
Elis acrescenta: "não temos uma educação que estimule a mulher a confiar no poder do seu corpo para parir. Eu entendo a falta de casas de parto e o número absurdo de cesáreas como um ciclo que precisaria ser quebrado com educação, com assistência, com acolhimento", diz a doula. "É necessário uma mudança de olhar para o nascer e como esse nascimento impacta de forma substancial o desenvolvimento e a vida de todas as pessoas", conta Elis.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.