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Mulheres ocupam maternidade, que está pronta há 10 anos e ainda não abriu

Grupo participa de ocupação de maternidade em BH - Ariane Silva/UOL
Grupo participa de ocupação de maternidade em BH Imagem: Ariane Silva/UOL

Colunista do Universa

30/01/2021 04h00

Reportagem de Ariane Silva, especial para o blog MULHERIAS

Na última quinta-feira (28), Mônica Aguiar saiu de casa e foi com as amigas visitar o local onde deveria funcionar a Maternidade Leonina Leonor, na região de Venda Nova, na periferia de Belo Horizonte. Elas fazem parte do movimento "Leonina Leonor É Nossa", que luta pela inauguração do local, pronto desde 2011 e que nunca recebeu pacientes.

Ao chegarem lá, descobriram uma obra da prefeitura, sem placas para informar a finalidade. Entraram para ver o que estava acontecendo e viram as salas de parto sendo destruídas pelos funcionários. As cerca de 15 mulheres acabaram passando a noite no local, apenas com a roupa do corpo. "A gente só sai daqui quando o secretário de saúde vier explicar o que estão fazendo com a Leonina", disse Mônica.

A obra, então, parou. Ao longo da sexta-feira, foi chegando mais apoio. Vieram outras integrantes do movimento, vereadoras, a imprensa foi chamada e também compareceu ao local. Apoiadores levaram água, comida e carregadores portáteis para os celulares, que serviam de central de comunicação e também de lanterna para as ocupantes, pois a prefeitura havia cortado a luz do local depois da entrada delas.

Maternidade Leonina Leonor - Ariane Silva/UOL - Ariane Silva/UOL
Fachada da Maternidade Leonina Leonor ganhou faixas de protesto
Imagem: Ariane Silva/UOL

A queda de braço entre a prefeitura e as mulheres continuava: o secretário municipal de Saúde, Jackson Machado Pinto, que não recebeu as mulheres do movimento nas várias tentativas de diálogo que haviam sido feitas, prometeu se reunir com elas no fim da próxima semana. Mas só se elas desocupassem o prédio. "A gente só sai quando o secretário vier aqui", diz Mônica.

Obra custou R$ 4,7 mi e tem 7 salas de parto

A Leonina, como é apelidada pelas mulheres do movimento, não é qualquer maternidade. Ela foi planejada com as melhores recomendações internacionais baseadas em evidências científicas, pensada para ser um centro de parto normal de excelência em atendimento humanizado, totalmente gratuito e 100% pelo Sistema Único de Saúde, contribuindo também para a formação de profissionais da área de saúde.

Maternidade Leonina Leonor - Ariane Silva/UOL - Ariane Silva/UOL
Uma das salas de parto da maternidade, com a banheira intacta
Imagem: Ariane Silva/UOL
Maternidade - Ariane Silva/UOL - Ariane Silva/UOL
Sala de parto em que a banheira para auxílio ao parto humanizado já foi retirada
Imagem: Ariane Silva/UOL

As obras começaram em 2009 para implementar a Leonina no segundo e terceiro andares do prédio que abriga hoje no térreo uma Unidade de Pronto Atendimento.

Por meio de licitação aberta pela prefeitura, foram construídas 7 salas de parto individuais, as chamadas suítes de parto, 6 delas com banheiras, e 32 leitos de obstetrícia no total, incluindo 12 de UTI neonatal, com uma capacidade total de até 500 partos por mês. O custo para os cofres públicos foi de R$ 4,7 milhões. É essa obra que está sendo desfeita agora, com as banheiras sendo retiradas dos quartos sem nunca terem sido utilizadas.

"Ela é o sonho de quem luta pelo parto humanizado"

"O projeto do Leonina é maravilhoso. É o sonho de quem luta pelo parto humanizado. Hoje, nos hospitais da rede, as mulheres ficam amontoadas, os pré-partos são coletivos, sem privacidade, não tem espaço pra mulher ficar na posição que ela quiser, não pode andar, movimentar, que é o recomendado. Então as mulheres são deitadas pra parir sem espaço, sem acompanhantes, sem a família, sem conforto pra dor, isso a gente chama de violência obstétrica", diz a vereadora Sônia Lansky, que esteve no local para apoiar o movimento.

Mônica, além de liderar o grupo, é coordenadora do Centro de Referência da Cultura Negra Venda Nova, e tem longa trajetória no movimento negro, que tem tudo a ver com a Leonina. "São mulheres negras e pobres que mais sofrem com a falta da Leonina, ela poderia atender não só a região, mas Belo Horizonte como um todo", explica. Ela fala com a reportagem enquanto finca a cadeira na porta da obra e de lá mesmo atende apoiadoras e repórteres e organiza a reunião para discutir os próximos passos.

Foi a mobilização delas que atraiu para o local diversas apoiadoras, entre elas as Mulheres de Luta, bloco de vereadoras progressistas que se elegeu em BH este ano, composto pelas vereadoras Sônia Lansky da ColetivA (PT), Macaé Evaristo (PT), Bella Gonçalves (PSOL), Iza Lourença (PSOL) e Duda Salabert (PDT); a Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras, cuja presidente, Juliana do Carmo, também visitou o local; e o Conselho Municipal de Saúde, representado por Carla Anunciatta, que também chegou apenas com a roupa do corpo e acabou passando a noite na Leonina.

Local poderia atender grávidas durante a pandemia

"A Leonina poderia servir para evitar que grávidas de baixo risco fossem a hospitais durante a pandemia", explica Mônica. O movimento lembra que grávidas são grupo de risco para covid, com taxas mais elevadas de casos graves e complicações, e afirma que a prefeitura poderia estar utilizando o local para garantir a saúde de grávidas e puérperas, mulheres que deram a luz há pouco tempo.

Mônica, Glorinha e outras mulheres também são de um grupo de risco. Idosas, todas de máscara e com as várias garrafinhas de álcool em gel pelo local, elas conversam do lado de fora, mais arejado, trocando informações e compartilhando a indignação pelo sonho de uma maternidade modelo que está para acabar sem nunca ter oficialmente começado. Ficar em casa, para elas, não era uma opção.

Secretário diz que parto humanizado é passado

A pressão fez efeito e as respostas começaram a chegar no meio da tarde de sexta. A prefeitura informou por meio de nota que a obra em andamento no local tem o objetivo de instalar um Centro de Atendimento à Mulher, que seria uma "unidade especializada na atenção em todas as fases da vida", afirmou não haver demanda para uma maternidade do local e alegou que o Conselho Municipal de Saúde havia sido informado em diversas reuniões sobre o novo destino do prédio.

As notícias foram recebidas com estranhamento pelas presentes no local. "Onde está a placa informando o objetivo, o engenheiro responsável? A população que passa em frente não sabe para que é essa obra", afirma Juliana do Carmo, presidenta da associação de obstetrizes. Curiosos que passavam pelo local se indignavam ao saber que a obra não era para construir, mas destruir o que já estava pronto, desperdiçando os quase R$ 5 milhões já investidos no equipamento.

Em entrevista à Rádio Itatiaia, o secretário municipal de Saúde, Jackson Machado Pinto, afirmou que "o padrão de maternidade que se quer fazer lá é um culto romântico ao ultrapassado". Jackson se refere ao que o movimento chama de "parto humanizado", modelo de atendimento baseado em evidências científicas que se contrapõe a práticas que configuram a violência obstétrica.

Ocupação de maternidade - Ariane Silva/UOL - Ariane Silva/UOL
Mônica Aguiar (de camiseta rosa), a vereadora Sonia Lansky (à direita dela) e outros apoiadores da ocupação
Imagem: Ariane Silva/UOL

Leonina permanece ocupada

Após a manifestação da prefeitura, o Conselho Municipal da Saúde também soltou nota, citando o desacordo da proposta da prefeitura com as diretrizes previstas na Política Nacional de Saúde da Mulher e as orientações da Organização Mundial de Saúde.

Em linguagem simples, feita para circular entre os grupos de apoiadoras no Whatsapp, a conselheira Carla explica direto para quem tem dúvidas que antes do plano de gestão atual existe o Plano Municipal de Saúde, válido de 2018 até 2021, que aprovou a abertura do Centro de Parto normal Leonina Leonor e que eventuais mudanças precisam ser analisadas por eles.